Título: CPI aponta falta de comando da Defesa
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2007, Especial, p. A9

O papel decorativo do Ministério da Defesa e a falta de comando na administração do sistema de aviação civil estão entre as principais causas da crise no setor aéreo, segundo acreditam o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Apagão Aéreo, Demósthenes Torres, e os técnicos do Tribunal de Contas da União. Para o TCU e a CPI, o Ministério da Defesa, contrariamente a suas atribuições, foi alijado da definição do orçamento da Aeronáutica, e as concessões de vôos, pela Agência Nacional de Aviação (Anac), desconsideram os alertas de saturação nos aeroportos.

"O Ministério da Defesa não se manifesta; a Anac continua autorizando novos vôos, mesmo com essa situação", comenta o ministro do TCU Augusto Nardes, responsável pelas investigações sobre o setor aéreo. Ele se queixa de que espera há seis meses resposta do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, sobre irregularidades orçamentárias encontradas no setor, como recursos que deixaram de ser repassados pela Infraero à Aeronáutica. Segundo o ministro, as investigações do TCU vão dar atenção especial à apuração de responsabilidades pelos problemas operacionais no sistema de aviação civil.

A CPI do Apagão no Senado, no relatório divulgado por Torres, no início do mês, acusa o Ministério da Defesa de ser "mero carimbador" na definição das prioridades orçamentárias do sistema de aviação civil. A apuração das causas do apagão aéreo constatou que, criado ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, o Ministério da Defesa até hoje não exerce a função de coordenar as Forças Armadas, que discutem suas prioridades orçamentárias diretamente com o Ministério do Planejamento.

"A segregação de funções no âmbito do controle do tráfego aéreo ainda carece de uma efetiva articulação entre os diversos órgãos e entidades envolvidos, tendo em vista a complexidade do arranjo sistêmico da aviação civil no país" alertou o acórdão do TCU, ainda em dezembro, em uma indicação de que a simples substituição de dirigentes, como é cogitada pelo presidente Lula, não é a resposta mais adequada para a crise. A nomeação de cargos por pessoas indicadas politicamente, sem competência técnica comprovada, contribui para que órgãos como a Infraero sejam subordinados apenas formalmente ao ministério.

A Anac, concebida no governo Fernando Henrique Cardoso, mas criada somente no último ano do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é criticada no relatório por não ter substituído convenientemente o Departamento de Aviação Civil (DAC), de quem absorveu parte das funções. O Conselho Nacional da Aviação Civil (Conac), que reúne vários ministérios, a Infraero, a Anac e o Comando da Aeronáutica, para coordenar diretrizes e ações no setor aéreo, passou mais de três anos sem se reunir, e só foi convocado após o acidente com o avião da Gol, que desencadeou a crise conhecida como apagão aéreo.

"É um problema sério, não existe articulação entre os diversos órgãos, cada um atua de forma isolada", acusou, em entrevista ao Valor, o procurador-geral do TCU, Lucas Furtado, que, na CPI, chegou a dizer que o papel do Ministério da Defesa era mera "perfumaria" na gestão orçamentária da Força Aérea.

Ele aponta um problema crônico de gestão no sistema de controle do tráfego aéreo nacional e afirma que as indicações políticas na Anac e na Infraero alijaram o Ministério da Defesa de qualquer influência nesses órgãos. A falta de articulação entre os diversos orçamentos desses órgãos impede o planejamento, como se viu no caso do aeroporto de Congonhas, onde a Infraero alegou ter feito obras "emergenciais". Se o sistema nacional funcionasse, os problemas em Congonhas já teriam sido previstos e a solução providenciada, argumenta o procurador.

O Conac, órgão encarregado desse planejamento e da articulação dos diversos organismos no setor, foi paralisado no governo Lula, após uma primeira reunião, em 2003. Uma demonstração dessa paralisia, que deixou o Ministério da Defesa sem um importante órgão de assessoramento, é a pauta da reunião do Conselho, convocado para hoje, em uma segunda reunião após a crise no setor aéreo. A pauta prevê "revisão" de resoluções tomadas pelo mesmo conselho em 2003, que ainda atribuem ao Departamento de Aviação Civil tarefas repassadas ao Comando da Aeronáutica e à Anac, após a extinção do departamento, em 2006.

Furtado lembra que as empresas aéreas tiveram apoio da Anac ao reagir fortemente contra a resolução da Justiça, no início do ano, que limitou os modelos de aeronaves autorizados a operar em Congonhas. "A direção da Ocean Air reclamou que só tinha equipamentos que não poderiam pousar", exemplifica Furtado. "É uma lógica perversa. A empresa deveria se adaptar à realidade, e não o contrário."

Para o procurador-geral do TCU, as empresas têm o direito "legítimo" de defender seus interesses, mas, segundo argumenta, o governo não pode ceder às pressões por falta de capacidade técnica para responder a elas. A falta de articulação e a debilidade do Ministério da Defesa provocam essa "falta de capacidade técnica", acredita.

No início do governo Lula, o primeiro ministro da Defesa, José Viegas, foi o único a ensaiar uma tomada efetiva de controle sobre os comandos militares, mas um confronto direto com o comando do Exército, que se recusava a seguir as orientações do ministério, levou à demissão do ministro, e sua substituição, na época, pelo vice-presidente José Alencar. Viegas foi nomeado para a embaixada do Brasil na Espanha, e a autonomia, de fato, dos comandos, sacramentada.