Título: Lula decide que Battisti fica
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 01/01/2011, Política, p. 7

Em seu último dia de governo, presidente nega saída de ativista e irrita autoridades italianas. Caso deve voltar ao STF Tiago Pariz

Com a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de conceder refúgio ao ativista italiano de extrema esquerda Cesare Battisti no último dia do ano ¿ e de seu governo ¿, o caso entra em um novo imbróglio jurídico a ser resolvido somente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A expectativa é que a palavra final sobre se o acusado de assassinato na Itália será libertado ou extraditado será dada somente em fevereiro, quando a corte volta a se reunir depois do recesso do Judiciário.

O presidente entrou em rota de choque com o governo italiano e ignorou decisão do STF que acatou o pedido de extradição. Lula usou como base para sua decisão parecer da AGU que avaliou que Battisti poderia ter sua situação agravada naquele país por perseguição política ou pessoal.

¿O parecer considerou atentamente todas as cláusulas do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália, em particular a disposição expressa na letra f do artigo 3, que cita, entre as motivações para a não extradição, a condição pessoal do extraditando¿, consta de trecho da nota divulgada pelo Palácio do Planalto.

O anúncio foi feito no fim da manhã de ontem e irritou o governo italiano. Segundo o ministro da Defesa da Itália, Ignazio La Russa, o país vai insistir na extradição e a decisão de Lula mostrou-se ¿injusta e ofensiva¿. ¿Não deixaremos jamais de tentar reverter a decisão¿, disse a jornalistas italianos.

O comunicado traz ainda mais um ingrediente de tensão entre os dois países. O governo considerou impertinente as palavras usadas pela presidência do Conselho dos Ministros da Itália para se referir a Lula. ¿O governo brasileiro manifesta sua profunda estranheza, em particular com a impertinente referência pessoal ao Presidente da República.¿

Na quinta-feira, o governo italiano também emitiu comunicado, antecipando-se à decisão do presidente Lula, classificando de ¿totalmente incompreensível e inaceitável¿ o argumento de que o ativista teria sua situação agravada no país, caso fosse extraditado. ¿O presidente Lula deverá, então, explicar a escolha não apenas ao governo, mas a todos os italianos e, em particular, às famílias das vítimas¿, diz trecho da nota.

Em resposta à decisão, o Ministério das Relações Exteriores italiano decidiu chamar de volta a Roma o embaixador da Itália no Brasil, Gherardo La Francesca, para consultas ¿ uma prática comum no meio diplomático, mas também um sinal claro de estremecimento entre os dois países. ¿Serão definidos os caminhos da ação judiciária do governo italiano em defesa de suas legítimas aspirações baseadas no tratado bilateral de extradição¿, afirmou o ministério em nota. Fontes do Itamaraty disseram ao Correio que já esperavam a convocação de Francesca.

Em novembro de 2009, o STF autorizou a extradição de Battisti depois de entender, por 5 votos a 4, ser irregular o refúgio assinado pelo então ministro da Justiça Tarso Genro. No entanto, a decisão da época repassou ao presidente Lula a palavra final. Agora, o presidente da Corte, Cezar Peluso, disse que a derradeira deliberação será dos ministros. Mas o ingrediente de imprevisão devido à nova análise a ser feita pelo Supremo pode frustar todo esforço de Lula e deixar para Dilma uma decisão no caso.

Battisti está detido há quatro anos no Brasil. O ativista foi condenado à revelia, em 1993, à prisão perpétua, por quatro mortes e cumplicidade em assassinatos cometidos em 1978 e 1979.

Jornais atacam

Muito provavelmente não era a intenção, mas em seu último dia à frente da Presidência, Lula foi manchete dos principais jornais online da Itália, ao negar o pedido de extradição de Cesare Battisti.

O jornal Corriere Della Sera estampou em sua página na internet que Lula permitiu a permanência de Battisti e ressaltou que a decisão brasileira pode representar consequências para as relações entre Itália e Brasil. O Il Giornale destacou a escolha da palavra ¿impertinente¿ na nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores para explicar a negativa da extradição e ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) reanalisará o caso em fevereiro.

A reportagem mais crítica é do jornal La Repubblica. A publicação indaga se Lula comunicou sua decisão a autoridades italianas antes de anunciar a negativa de extradição e critica o fato de o líder brasileiro ter esperado o último dia de mandato para se pronunciar. A reportagem também traz repercussão da decisão de Lula junto ao ministro da Defesa do país, Ignazio La Russa. ¿A pior previsão se cumpriu, mas a Itália não vai deixar pedra sobre pedra¿, reagiu.

Análise da notícia

Refúgio do barulho

» Luiz Carlos Azedo

Ao decidir não extraditar Cesare Battisti, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia do tamanho da encrenca internacional. Considerado terrorista pela Justiça da Itália, que o condenou à prisão perpétua com base em leis de exceção criadas para combater as Brigadas Vermelhas e outros grupos armados, Battisti é acusado de quatro homicídios.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão salomônica, autorizou a extradição do italiano, mas delegou ao presidente Lula a decisão de fazê-lo ou não. E parecer da Advocacia Geral da União, à luz da legislação brasileira, acatou as razões da defesa. Batistti alega correr risco de vida na Itália e ter sido condenado sem direito à defesa.

O problema é que o governo italiano considera a decisão uma afronta, embora nos bastidores o primeiro-ministro Sílvio Berlusconi tenha sinalizado ao presidente Lula que não faria muito barulho caso o refúgio fosse concedido. Não foi essa a reação, porém, do Conselho de Ministros italianos, que reagiu com indignação.

O Partido Democrata da Itália (ex-Partido Comunista), que lidera a oposição, também contestou a decisão de Lula, de quem sempre foi aliado desde a fundação do PT. A razão das críticas é o fato de que Battisti participou da luta armada contra um regime democrático e constitucional. Lula livra a presidente Dilma Rousseff de um abacaxi e deixa o poder sob holofotes da mídia mundia