Título: Ainda falta equilíbrio nas negociações de Doha
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Fonte: Valor Econômico, 20/07/2007, Opinião, p. A18

Na undécima hora, os responsáveis pelas propostas agrícolas e industriais da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio resolveram tentar quebrar o impasse que congelaram as negociações e colocaram na mesa ofertas para retirar os países da "zona de conforto". A ousadia vem tarde demais e coloca em um novo patamar, mais realista, as divergências que paralisaram Doha.

Apesar da complexidade das negociações, suas linhas gerais são discerníveis e elas forçam um pouco mais os limites, que pareciam intransponíveis, escolhidos pelos países-chave. Nada garante que serão aceitos.

Batizada de rodada do desenvolvimento, na esteira da reação aos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, ela pressupunha um ajuste de contas com a pobreza e também com os desequilíbrios provocados pelos gigantescos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos. O princípio básico era que os países desenvolvidos teriam que fazer o principal esforço para desmontar os entraves à agricultura, sem esperar reciprocidade equivalente das nações em desenvolvimento. A rodada falhou até agora porque não encontrou este difícil equilíbrio.

As propostas dos mediadores traz grandes avanços em vários pontos. A redução dos subsídios agrícolas tende a ser um pouco maior e, embora a espinhosa questão dos produtos sensíveis não tenha sido resolvida, há espaço para cotas maiores para exportações brasileiras na União Européia. Mas a questão central, a dos ganhos e perdas diferenciados para países em desenvolvimento, continua de pé. As novas propostas continuam a exigir mais abertura do setor industrial dos países agrupados em torno do G-20 do que concessões agrícolas por parte da União Européia e dos Estados Unidos.

Os americanos teriam de aceitar um limite para os subsídios que distorcem o comércio agrícola internacional em uma faixa de US$ 13 bilhões a US$ 16,4 bilhões. Os EUA têm autorização para conceder US$ 48,2 bilhões e usaram entre 1995 e 2005 a quantia média de US$ 15,4 bilhões. Os negociadores americanos espernearam por muito tempo na defesa dos US$ 22 bilhões e no final acenaram com US$ 17 bilhões. Nada perderão com bem menos. A União Européia, que gasta escandalosos US$ 110 bilhões com subsídios, teria de reduzi-los a algo entre 16 bilhões de euros e 27 bilhões de euros. As tarifas agrícolas seriam cortadas de 66% a 73%, mas os europeus já tendiam a concordar com 70%.

O relativo avanço em relação à agricultura tem a contrapartida de um endurecimento, pelos países desenvolvidos, nas tarifas industriais. O corte proposto de 57% a 62% - o Brasil aceitava ir até 50% - traz uma redução generalizada e significativa das tarifas médias dos países em desenvolvimento. Como o Valor informou (18 de julho), a tarifa média consolidada do Brasil cairia de 29,8% para 12,5% ou 13,8%. A da Índia, de 39,2% para 15% a 19%, a da Argentina, de 30,6% para 12,4% a 13,9%. EUA e UE não teriam tarifas acima de 10% (os EUA têm alíquota máxima de 58,5% e a UE, de 26%).

Acontece, porém, que mais de 90% das linhas tarifárias brasileiras, e pelo menos dois terços das sul-africanas, por exemplo, estão acima do nível sugerido, enquanto que tanto para os EUA quanto para UE, ele afeta só 10% das linhas. É certo que nestes 10% concentra-se a proteção contra importações de têxteis, vestuário e calçados brasileiros.

Há mais descontentamento e divergências em relação ao texto dos mediadores entre os países emergentes que entre EUA e UE. No caso brasileiro, as entidades agrícolas consideraram positivas as mudanças, enquanto que a indústria mostra forte preocupação. Com a valorização cambial, boa parte da proteção oferecida pela estrutura tarifária brasileira já foi erodida, o que dá margem de barganha aos negociadores brasileiros, mas provoca protestos de seus aliados, como Índia e África do Sul, que têm peso importante no G-20. O Brasil, por outro lado, também tem muito a ganhar com redução tarifária de seus parceiros emergentes, para os quais envia 50% de suas exportações. Essa é outra manobra delicada que a diplomacia brasileira terá de enfrentar. Há poucas chances de a rodada Doha ir em frente e a única parece ser a de que Estados Unidos e União Européia façam concessões maiores e o G-20 nem tanto.