Título: Friedman, metas de inflação e o Coelhinho da Páscoa
Autor: Oliveira, Luiz Antonio de
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2007, Opinião, p. A18

A fixação recente da nova meta inflacionária em 4,5% e não em 4%, provocou uma série de críticas às autoridades monetárias, sendo que algumas dessas críticas se estenderam a todos aqueles que supõem que metas inflacionárias mais baixas, ao reduzirem a taxa de juro de curto prazo, contribuiriam para estimular o crescimento econômico. Uma dessas críticas "Meta Inflacionária e o Coelhinho da Páscoa", publicada na Folha de S. Paulo, de 27/06, de A. Schwartzman, baseando-se nos trabalhos de Milton Friedman e Edmund Phelps, considera que todo argumento de que metas de inflação mais baixas levariam a um maior crescimento, pode ser comparado à idolatria de algumas "tribos primitivas" ao Coelhinho da Páscoa.

A base do modelo Friedman/Phelps é de que existe uma taxa mínima de desemprego, ou uma "taxa natural de desemprego", a (TND), que não poderá ser reduzida sem que isto tivesse como única conseqüência uma elevação da taxa inflacionária, sem aumentar o produto. Apenas em situações passageiras em que tal redução surpreendesse os agentes econômicos ela seria acompanhada por uma elevação da produção. A justificativa dessa conclusão dada por aqueles autores é sem dúvida engenhosa. Assim, observam que se houvesse uma redução inicial da taxa de desemprego, conseqüência por exemplo de uma política fiscal expansionária, se seguiria uma contratação inicial de mão-de-obra, e uma expectativa de elevação da massa de lucros por parte das empresas. Porém, como a economia estaria próxima do pleno emprego, os salários se elevariam, fazendo com que os preços também se elevassem em um segundo momento, de tal forma que a tendência seria a de se reduzir os salários reais que se elevariam inicialmente e neutralizar-se as expectativas de lucros mais altos das empresas. Tais variações fariam com que as empresas maximizadoras de lucro voltassem a produzir as quantidades iniciais apenas com uma aceleração da taxa de inflação, daí tal hipótese ser conhecida também por "hipótese aceleracionista".

Na verdade, ao argumento acima pode-se contrapor outro argumento que está longe de ser formulado por um "adorador de 'Coelhinho da Páscoa'". Assim é que Paul Samuelson, em escrito de 2004, se pergunta se a taxa natural de desemprego, em (inglês "nairu", ou taxa de desemprego não aceleradora da taxa inflacionária) pode ser considerada um conceito estável e confiável. Daí sua observação "a experiência inflacionária dos EUA, por exemplo, tem prejudicado a crença em tal conceito. A questão é que um longo período de desemprego produzirá deterioração das qualificações para o emprego, redução do treinamento e menor experiência, levando a uma TND mais alta". Além disso, será que o crescimento mais lento do PIB real não reduzirá o investimento, deixando o país com um capital social debilitado? Será que esta carência não produzirá um aumento do desemprego acima da TND?

Verificações empíricas realizadas por Staiger, Stock e Watson (1997), atestam a falta de estabilidade e confiabilidade dessa medida. Segundo esses autores, para a economia americana, em um intervalo de confiança de 95%, a TND teve sua menor variação entre 4,8 e 6,6 pontos percentuais; para eles, previsões de inflação baseadas no desvio do desemprego em relação a essa taxa, são similares, quer se assuma os valores de 4,5, 5,5 ou 6,5 por cento. Uma conclusão extrema a se obter de tais resultados é que a "TND não existe (...) o que se observa é um trade-off entre desemprego e inflação, como na curva de Philips tradicional".

-------------------------------------------------------------------------------- Análises baseadas em um modelo simples, como a hipótese aceleracionista, são inadequadas para descrever fenômenos --------------------------------------------------------------------------------

Retornando à argumentação de Schwartzman, este observa que como no Brasil, o BC ao conseguir reduzir a inflação para níveis próximos a 4%, adquiriu grande credibilidade de tal maneira que ao enunciar uma meta inflacionária mais reduzida, os agentes não seriam iludidos por uma eventual redução no desemprego, assim inscreveriam em suas decisões as taxas anunciadas de tal modo que ela seria neutra em termos de alteração do PIB e a economia passaria a funcionar com uma taxa de inflação mais reduzida, em consequência diz ele "os custos associados à redução, mesmo se houvessem (sic), seriam pequenos em troca de uma inflação mais próxima a de nossos principais parceiros".

Uma primeira implicação desse argumento é que a política monetária seria impotente para estabelecer resultados definitivos em termos de redução da taxa de desemprego e aumento do PIB. Se o BC insistisse em buscar tais objetivos, a única conseqüência seria uma aceleração da taxa de inflação. De outro lado, o BC, se tiver credibilidade, terá como função básica disseminar através de uma informação ao público qual a taxa de inflação que deverá ocorrer na economia para que esta aconteça. Alguns economistas, no entanto, como Robert Solow, afirmam que as evidências para a "hipótese aceleracionista" são extremamente limitadas à experiência americana a partir de 1970 até os anos 90, sendo que nem a experiência anterior a 1970 e a experiência dos países europeus sustentam tal hipótese. De outro lado, Bejamin Friedman, da Universidade de Harvard (não confundir com Milton Friedman) aponta várias constatações empíricas de que a política monetária tem tido efeitos positivos, tanto para a formação do capital humano e capital físico, e isto não é uma simples teoria, diz ele. À possível crítica de que tais efeitos não seriam permanentes, observa que "nossa habilidade para distinguir econometricamente entre efeitos permanentes e aqueles com uma meia vida em sessenta quadrimestres, uma estimativa usual em muitos tipos de análise empírica, é no mínimo, suspeita."

Uma segunda implicação ainda apontada por Benjamin Friedman é de que qualquer análise de política econômica baseada em um modelo tão simples como a "hipótese aceleracionista" é epistemologicamente inadequada para descrever fenômenos tão complexos como os de mercado; e é especialmente problemática para qualificar a política antiinflacionária. De acordo com essa hipótese, se no longo prazo o emprego já está determinado, qualquer taxa de inflação de curto prazo é consistente com tal emprego, e portanto, não deve apresentar custos. Porém, em contradição com tal hipótese, se afirma que uma inflação zero é melhor que uma inflação baixa (considere-se a sugestão de que devemos reduzir nossa taxa de inflação para nos aproximarmos de nossos parceiros), e que uma inflação baixa é melhor que uma taxa de inflação moderada. Ora, nenhuma das afirmações acima, observa aquele autor, tem suporte empírico, embora haja plena evidência de que uma inflação baixa ou moderada seja melhor do que uma inflação elevada.

Em resumo, em contraposição à afirmação de Schwartzman, podemos sem ter medo do exagero, considerar como estando mais próximos do culto do Coelhinho da Páscoa, aqueles que se apóiam no modelo Friedman/Phelps para entender e estabelecer diretrizes para a política antiinflacionária e não os que admitem a possibilidade de crescimento com inflação.

Luiz Antonio de Oliveira Lima é professor de economia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV). Suas opiniões não correspondem necessariamente às da instituição mencionada.