Título: O assédio moral no ambiente de trabalho
Autor: Zanetti, Fátima
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Nos últimos anos tem crescido o número de denúncias e de processos judiciais com pedidos de indenização por assédio moral no Brasil - tanto ações individuais como ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho. Assédio moral é a denominação que se dá a determinados tipos de condutas antiéticas, onde uma pessoa ou grupo atua com o objetivo de manipulação do outro em sentido degradante - condutas que podem ocorrer em qualquer ambiente, inclusive nas escolas, entre professores e alunos, e até mesmo entre grupos de alunos e uma criança. Também são utilizadas, como sinônimos de assédio moral, expressões como "mobbing", terror psicológico e assédio psicológico. No caso da violência psíquica entre crianças, alguns especialistas preferem adotar a expressão "bullyng".

Os primeiros estudos sobre este fenômeno foram apresentados pelo psiquiatra alemão Heinz Leymann em 1984. Em 1990, ele expôs seu trabalho no Congresso sobre Higiene e Segurança do Trabalho de Hamburgo, do qual resultou na publicação de seu livro "Mobbing" em 1993. Para ele, "mobbing" ou terror psicológico no âmbito do trabalho "consiste na comunicação hostil e sem ética, dirigida de maneira sistemática por um ou vários indivíduos contra outro, que é levado a uma posição de inferioridade e desqualificação".

A comunicação hostil e antiética abrange insultos diretos, insinuações, comentários mal-intencionados, desprezo, negação e ameaças veladas ou expressas. Pode-se dizer, assim, que assédio moral é a denominação que se dá ao conjunto de atitudes antiéticas capazes de degradar o ambiente de trabalho para uma ou para muitas pessoas, conforme a conduta do assediador ou do grupo de assediadores. Decorre de uma prática que provoca vergonha, constrangimento, exposição a situação vexatória, humilhação, discriminação, medo e, assim, configura um dano que atinge a dignidade humana. O bem juridicamente protegido no caso do assédio moral é a dignidade humana e a reparação que se busca é uma indenização pelo dano moral sofrido.

O fenômeno é global e vem sendo estudado tanto na Europa como nos Estados Unidos, países que já se preocupam com o custo deste tipo de violência no trabalho, da qual resulta, quase sempre, um dano à saúde mental e psíquica da vítima. No Brasil, o assédio moral é uma forma de dano moral, cuja reparação está devidamente contemplada no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição Federal, que não só prevê a reparação por esse tipo de dano, como também dispõe que um dos fundamentos da República é a "dignidade humana".

-------------------------------------------------------------------------------- Ao contrário do que defendem alguns juristas, não há necessidade de regulamentação especial do assédio moral --------------------------------------------------------------------------------

O Código Civil, por outro lado, dispõe em seu artigo 186 que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Assédio moral, por consistir na prática de conduta degradante do ambiente de trabalho, atinge a vítima em sua dignidade humana, que sofre, portanto, um dano moral decorrente, na forma da lei, de um ato ilícito. Logo, ao contrário do que argumentam alguns juristas e operadores do direito, não há necessidade de uma regulamentação especial destinada a tratar do assédio moral, pois basta que se esteja diante de conduta típica que a psicologia define como assédio moral, da qual pode resultar constrangimento, vergonha, humilhação, exposição a situação vexatória, discriminação, medo, e poderá ser feito o enquadramento jurídico como ato ilícito, seja quem for o assediador ou o seu âmbito de trabalho, privado ou público, estadual, municipal ou federal.

No mundo do trabalho, o empregador e a administração pública são responsáveis pelo meio ambiente do trabalho, o que envolve saúde física, psíquica e social dos trabalhadores. As medidas corretivas que podem ser adotadas diante de eventuais deslizes dos empregados estão limitadas pelo cunho pedagógico, e, assim, não incluem, por óbvio, o direito de humilhar, ofender, envergonhar, denegrir a imagem, discriminar e outras atitudes ofensivas. Quem assim agir, estará praticando um ato ilícito.

Desta forma, tanto a Justiça do Trabalho como o Ministério Público estão atuando dentro da mais absoluta legalidade quando buscam medidas efetivas para expungir do mundo do trabalho situações configuradoras de assédio moral. Quanto aos valores, as indenizações mais elevadas, de até R$ 1 milhão, que sempre são destacadas quando se fala deste tema, estão relacionadas com o dano moral coletivo, casos em que há uma prática generalizada de medidas desrespeitosas e agressivas a todos os trabalhadores de um estabelecimento público ou privado. Nos casos de ações individuais, os valores ainda são modestos, dado o entendimento de muitos operadores do direito no sentido de que a indenização deve ter somente caráter compensatório e não pedagógico ou punitivo.

De todo modo, se existem muitas ações, e se um número significativo delas é procedente, talvez elas estejam a denunciar que há uma ruptura ética na sociedade, que se revela de forma mais acentuada no mundo do trabalho, porque é lá que passamos a maior parte do nosso tempo, em constante inter-relação.

Fátima Zanetti é juíza aposentada do trabalho e diretora cultural da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra) da 2ª Região, em São Paulo

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