Título: Disputa municipal é o 1º teste do carlismo
Autor: Cruz, Patrick e Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 23/07/2007, Política, p. A12

A morte de Antonio Carlos Magalhães leva ao primeiro plano a disputa por seu combalido espólio político na Bahia . No plano regional, o carlismo perdeu o governo estadual, a prefeitura da capital e a relação privilegiada com o governo federal. O que restou-lhe, contudo, não é pouco: uma máquina eleitoral formada por mais de uma centena de prefeituras (foram 154 as conquistadas na eleição de 2004) e o controle do principal grupo de comunicação do Estado.

A disputa interna entre o Democratas na Bahia deverá se acirrar. Sem o braço forte do senador, Paulo Souto e o senador César Borges, ex-governadores carlistas, encabeçam duas correntes no partido, que, apesar das declarações pregando unidade, tornam-se mais nítidas. O desdobramento dessa disputa deve ser conhecido nos próximos 60 dias.

O futuro do carlismo terá que ser decidido nesse período em virtude da lei eleitoral. Segundo o texto, quem quiser se candidatar nas eleições municipais do ano que vem precisa já estar, um ano antes, no partido pelo qual vai ser candidato. Se não se chegar a um consenso sobre candidatura do partido à prefeitura de Salvador em 2008, debandadas não estão descartadas.

Paulo Souto é o presidente do DEM baiano e seu grupo, considerado minoritário na legenda, é encabeçado ainda pelos deputados José Carlos Aleluia, Fábio Souto (filho do ex-governador) e Fernando de Fabinho. Aleluia é tido como pré-candidato à prefeitura de Salvador. Em 2004, sua pretensão de ser candidato foi vetada por ACM.

O grupo de César Borges, mais ligado a ACM, tem como principais nomes o deputado federal Antonio Carlos Magalhães Neto - outro cotado para a prefeitura -, além de outros cinco deputados federais. É nesse time que permanece a insatisfação. Na disputa pelo comando do partido, em maio, houve ameaça de debandada para o PDT.

As arestas ainda não foram aparadas. Pelo menos quatro vereadores da capital, além de um deputado estadual, já se disseram dispostos a mudar de partido. "Se há pessoas querendo sair do partido? Várias. Eu mesmo estou pensando nisso", disse um integrante do DEM aoValor.

Abertamente, os democratas contemporizam. Integrantes do partido chegaram a assinar um documento na semana passada afirmando não haver racha. "O grupo sempre foi forte por ser unido. Precisamos manter a união para dar continuidade à obra política do senador. Nesse momento é que veremos quem eram seus verdadeiros amigos", diz o ex-senador Rodolpho Tourinho. O ex-governador Paulo Souto segue o raciocínio. "Em um momento como esse, aparece um sentimento de vazio. A melhor forma de responder a isso é manter a união."

ACM Neto está em seu segundo mandato na Câmara e, por isso, é considerado o sucessor natural do avô na família. Entretanto, aos 28 anos, é tido como ainda muito jovem para assumir papel de liderança maior dos carlistas. Nesse vácuo, nomes como o do popular apresentador de TV Raimundo Varela também aparecem como opções na corrida à prefeitura. Como há quatro anos, Varela está bem cotado nas pesquisas para a briga pela prefeitura. Em 2003, entretanto, filiado ao PTC, ele acabou desistindo da disputa. Seu nome foi cogitado para ser candidato a vice na chapa de César Borges.

Ainda que estejam em disputa velada pelo comando do DEM na Bahia, as duas vertentes carlistas concordam que será difícil manter o modelo de um cacique com a palavra final. "Sem a liderança maior de Antonio Carlos, o cenário se horizontaliza, ficam todos no mesmo plano. Não temos que pensar em uma nova liderança", diz Borges.

A combinação de fatores que levaram ao comando político da Bahia por ACM dificilmente pode ser igualada. O mando regional de Antonio Carlos Magalhães começou a ser construído na Bahia nos anos 60 e se explica por um trinômio, segundo o cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, da Universidade Federal da Bahia e pesquisador do carlismo: tradição, autocracia e carisma.

A tradição, de acordo com o pesquisador, está na origem política de ACM: "Ele foi um fruto tardio da revolução de 30, um produto do consenso entre as elites que se misturaram na UDN, no PSD e no PTB e depois se unificaram no golpe de 64, que não rompeu nada na Bahia".

ACM estreou na política em 1954 sob o comando de Juraci Magalhães, com quem não tinha parentesco. Tenente na revolução de 30, Juraci rompeu com Getúlio e formou a UDN na Bahia. Com exceção da eleição de 1950, a UDN ganhou diretamente ou participou da eleição de todos os governadores na Bahia.

Em seu primeiro mandato como deputado, ACM fez amizade com o então presidente Juscelino Kubitscheck. Mas em 1964, já era um dos mais radicalizados parlamentares a favor de um movimento militar para depor o governo civil, chegando ao enfrentamento físico com os defensores do presidente João Goulart.

Com o regime militar instalado, o baiano contou com ajuda decisiva de presidentes militares para tocar sua carreira. O marechal Castelo Branco acertou com o governador Luiz Vianna Filho a sua nomeação à prefeitura de Salvador, e baixou ato complementar antecipando sua posse, de 7 de abril para 14 de março de 1967, de modo a garantir para ACM doação de verbas a fundo perdido. No dia seguinte à doação, Castelo Branco encerrou seu mandato.

Na prefeitura, exercitou as características que marcariam o resto da carreira. "Tornou-se o administrador competente e déspota, o realizador que passa por cima dos obstáculos", afirma Dantas Neto. Segundo o pesquisador, ACM fez uma reforma urbana, conseguindo que a Câmara aprovasse em 48 horas a transferência da posse definitiva dos terrenos da prefeitura em regime de aforamento para a iniciativa privada.

Com o apoio do governador Luiz Vianna, foi escolhido por Médici para o governo da Bahia, em 1971. Seu primeiro mandato marcou a industrialização do Estado: consolidaram-se o pólo petroquímico de Camaçari e o Centro Industrial de Aratu, além de suas relações com o empresariado local, em especial o Banco Econômico, da família Calmon de Sá. ACM impediu a incorporação do banco pelo Bradesco, em 1972. Para implantar seu grupo político próprio, rompeu com todos os antecessores no cargo. Os descontentes da Arena lhe impuseram uma derrota, com a eleição indireta de Roberto Santos à sua sucessão.

Recebeu como compensação de Geisel, a presidência da Eletrobrás. Dois anos depois, o presidente nomeou Ângelo Calmon de Sá, amigo de ACM, para o Ministério da Indústria e Comércio. No ano seguinte, o presidente articulou a sua volta ao governo da Bahia, em 1979. Ao reassumir, ACM arrasou os adversários.

Seu momento emblemático foi em 1982, na primeira eleição direta para governador. Antonio Carlos escolhera como sucessor o prefeito de Salvador, Cleriston Andrade, que morreu em acidente aéreo 40 dias antes do pleito - o túmulo de Andrade fica em frente ao de ACM no cemitério do Campo Santo. Escolheu então um político sem expressão, João Durval, que venceu praticamente sem campanha. Hoje senador, Durval romperia com ACM.

O fim do regime militar colocou sua hegemonia em cheque. Seu apoio a Tancredo Neves e José Sarney no Colégio Eleitoral lhe garantiu o Ministério das Comunicações, mas, nas eleições de 1986, perdeu o governo estadual e as duas vagas no Senado para o PMDB. Permaneceu no Ministério até o fim do governo Sarney e se notabilizou pela distribuição de concessões de rádio e TV. Foram 1.028 nos cinco anos de governo Sarney, ante 634 dadas nos seis anos de governo Figueiredo, que o antecedeu. Deste total, 102 foram para a Bahia, grande parte a aliados, montando uma virtual rede de comunicação no Estado.

Na sucessão presidencial de 1989, apoiou Collor, e, um ano depois, pela primeira vez, venceu uma eleição majoritária, a disputa para governador, com 50,7% dos votos. ACM buscou exposição na mídia com uma administração plena de realizações: recuperou arquitetonicamente o centro histórico de Salvador e criou programas de apelo popular, como um serviço de atendimento à população para emissão de documentos que serviu de modelo a outros governos. A acusação mais comum que sofreu neste período foi a de ter montado um cerco administrativo às prefeituras oposicionistas.