Título: Um Irã nuclearizado é ameaça, mas como contê-lo?
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Fonte: Valor Econômico, 23/07/2007, Internacional, p. A13

"O regime iraniano é essencialmente um culto apocalíptico messiânico." É o que diz Binyamin Netanyahu ex e talvez futuro premiê de Israel. Se tiver razão, o mundo está perto de uma crise aterradora.

Enquanto o mundo tem sua atenção voltada para Iraque, Afeganistão e outros focos, o Irã se aproxima do ponto em que poderá construir uma bomba atômica. Os iranianos já converteram yellowcake em gás hexafluoreto de urânio. Agora, estão passando o gás em milhares de centrífugas instaladas na usina de enriquecimento subterrânea construída secretamente em Natanz, ao sul de Teerã. Um palpite comum é que, se o Irã operar 3 mil dessas centrífugas a alta velocidade por um ano, acabará tendo combustível suficiente para a sua primeira bomba.

Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), agência fiscalizadora nuclear da ONU, até o fim deste mês, o Irã poderá ter 3 mil centrífugas operando. Os iranianos dizem que seu próximo objetivo é ampliar a operação para até 54 mil centrífugas. Conseguir colocar o combustível num armamento utilizável também levará tempo, possivelmente um ano ou mais. Mas, para o pessoal empenhado na construção da bomba, produzir o combustível é, de longe, a parte mais difícil. O resultado, dizem Israel e alguns especialistas americanos, é que o Irã poderá ter uma bomba no final de 2009. Mohammed ElBaradei, o diretor-geral da AIEA, é mais cauteloso. Mas mesmo ele diz que, se o Irã realmente quiser a bomba, está em condições de construir uma num prazo de três a oito anos.

O que o Irã está fazendo em Natanz é totalmente ilegal. O país assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e diz que seus objetivos nucleares são pacíficos. Mas, tendo ludibriado por décadas os inspetores nucleares, nem os amigos dos iranianos não acreditam nisso. Faz um ano que Rússia e China, por desconfiança, apoiaram o restante do Conselho de Segurança (CS) da ONU para ordenar que o Irã cesse as atividades nucleares. Apesar disso, os iranianos continuaram. O CS então aprovou duas resoluções (em dezembro de 2006 e março deste ano), repetindo suas exigências e aplicando sanções. Desafiadoramente, a centrífugas continuam centrifugando.

O que fazer agora? Essa história pode ter pelo menos três finais infelizes. Num deles, o Irã produz sua arma nuclear, agregando mais instabilidade e um delicadíssimo confronto com Israel (que já tem armas nucleares), numa das regiões menos seguras do mundo. Em outro desfecho, EUA ou Israel agem preventiva e militarmente e conseguem deter o Irã, apesar de que tal ataque quase certamente teria, em si mesmo, conseqüências muito perigosas. No terceiro final, o Irã é atacado e, enfurecido, revidaria - e, de todo modo, continuaria de posse da bomba.

É vital entender que esse terceiro final é não um pesadelo inventado em devaneios. Depois das falsas informações de serviços de inteligência que levaram os EUA ao Iraque, e o caos resultante, pode ser difícil acreditar que os EUA ou Israel estejam avaliando um ataque contra um país muçulmano bem maior. Mas eles estão - e não estão loucos. Desta vez, afinal, não são falsas informações da inteligência: os temores estão baseados em capacitação alardeada abertamente pelo próprio Irã. E não se trataria de outra invasão: dessa vez, seria um ataque aéreo, visando incapacitar ou destruir as operações de desenvolvimento nuclear iranianas. De um ponto de vista técnico, desfechar semelhante ataque está bastante ao alcance dos recursos americanos (recentemente, os EUA reforçaram sua frota de porta-aviões no Golfo Pérsico) e talvez também dentro das possibilidades israelenses.

Mas tal ataque criaria um enorme risco. Mesmo se atrasasse ou paralisasse o programa nuclear iraniano, abriria novas vulnerabilidades na relação dos EUA com o mundo islâmico. E, ainda que apenas visando sua sobrevivência política interna, os líderes iranianos quase certamente reagiriam. O Irã poderia disparar centenas de mísseis contra Israel, atacar forças americanas no Iraque e Afeganistão, organizar ataques terroristas no Ocidente ou estrangular o Estreito de Hormuz, cujo tráfego de petroleiros é crucial para o suprimento mundial de petróleo. Como poderia um líder ocidental, em sã consciência, assumir o risco de deflagrar tal seqüência de eventos?

A resposta sucinta do senador John McCain (pré-candidato republicanos à Presidência dos EUA) é que, embora atacar o Irã seja ruim, um Irã com armas nucleares é pior. McCain não é o único que pensa assim: a maioria dos candidatos presidenciais americanos consideraria o uso de força militar.

Se o Irã não é, efetivamente, mais que o "culto messiânico" imaginado por Netanyahu, valeria a pena correr esses riscos para impedir que os iranianos tenham armas nucleares. Mas não é fácil interpretar as intenções do Irã.

O Irã se diz uma teocracia. Apesar disso, conduziu suas relações exteriores, desde a revolução de 1979, de modo que parece perfeitamente racional, ainda que não gentil. Foi amplamente noticiado que seu presidente, Mahmoud Ahmadinejad (que questionou a veracidade do Holocausto) ameaçou "varrer Israel do mapa". Mas, na realidade, é possível que ele nunca tenha pronunciado exatamente tais palavras, e há, a um só tempo, ambigüidade e cálculo por trás da ameaça. Examinado mais detidamente, vemos que Ahmadinejad é vago: ele queria dizer que o Irã deveria destruir Israel ou apenas que anseia pelo desaparecimento de Israel? Sabendo que um ataque nuclear contra Israel ou os EUA resultaria em sua imediata aniquilação, o Irã pode, provavelmente, ser dissuadido, assim como o foram outras potências nucleares. Não foi Nikita Khruschov quem prometeu "enterrar" o Ocidente?

Pelo fato de Israel ter lembranças de um Holocausto verdadeiro, pode não apostar muito nesse "provavelmente". A "The Economist" acredita que até mesmo para Israel a dissuasão de um Irã nuclearizado seria menos horrível que um arriscado ataque preventivo, que provavelmente desencadearia um caos, fortaleceria o regime e apenas protelaria o dia em que o Irã terá a bomba. Mas o mundo inteiro tem enorme interesse em evitar que esse dia chegue. Mesmo que o Irã nunca use a bomba, o fato de possuí-la poderia encorajar os iranianos a adotar uma política externa mais agressiva que a já praticada no Iraque, Líbano e territórios palestinos. E, depois que o Irã tiver a bomba nuclear, outros países na região - como Arábia Saudita, Egito e talvez Turquia - provavelmente se sentiriam compelidos a seguir no mesmo caminho, colocando o Oriente Médio num delicadíssimo emaranhado nuclear.

Haverá um modo de evitar esses finais infelizes, encontrando uma maneira pacífica de impedir que o Irã chegue à bomba nuclear? No ano passado, os europeus acreditavam ter encontrado tal solução, quando afinal convenceram Rússia e China a impor sanções e George Bush a acenar com a perspectiva de relações normais com o Irã depois que cessasse o enriquecimento de urânio. Mas as sanções moderadas impostas até agora não estão funcionando, e o relógio tecnológico em Natanz está andando mais rápido do que o relógio diplomático na ONU. O Irã poderá em breve descobrir como operar suas centrífugas a toda velocidade durante longos períodos; e depois que aprender como fazê-lo, as probabilidades de obrigá-los a parar de construir uma bomba diminuirão rapidamente. Isso sugere que uma terceira resolução - impondo sanções mais duras -, precisa ser aprovada sem demora.

O Irã é obstinado, paranóico e ambicioso. Mas é também vulnerável. Uma população jovem, sem lembranças da revolução, está desesperada por empregos que seus líderes não conseguiram gerar. Sanções que impedissem a importação de equipamentos para os decrépitos campos petrolíferos iranianos ou desfechassem um golpe firme contra os interesses financeiros do regime e de seus protetores na Guarda Revolucionária produziriam um impacto imediato sobre a própria percepção iraniana do custo de seu programa nuclear. É improvável que só isso viesse a mudar o pensamento do regime. Se, ao mesmo tempo, fosse oferecida ao Irã uma saída honrosa - acima de tudo, uma promessa crível de reconciliação histórica com os EUA - uma problemática liderança de uma revolução cansada poderia imediatamente agarrá-la. Mas o tempo voa.

(Tradução de Sergio Blum)