Título: O financiamento da invovação nas empresas
Autor: Melo, Luiz M. de
Fonte: Valor Econômico, 23/07/2007, Opinião, p. A14

A inovação é um ativo. As empresas inovadoras têm de se preocupar não só em gerar inovações, mas em se apropriar dos resultados. Inovação é um processo sistêmico e que ocorre principalmente em um determinado espaço nacional. Porém, a difusão é universal. Um indicador disso é que mais de 80% das patentes registradas pelas empresas líderes internacionais, no escritório de patentes dos EUA, têm origem nos seus respectivos países-sede, pela necessidade estratégica de defender a apropriação dos seus resultados.

Existem alguns equívocos graves que devem ser evitados quando se trata desse tema. O primeiro é o usualmente verbalizado pela comunidade científica, que apregoa o financiamento da pesquisa básica e da infra-estrutura de pesquisa como o elemento central do sistema de inovação. É a idéia do famoso, porém enganoso, modelo linear de inovação, que afirma que a inovação nas empresas depende da evolução do conhecimento, começando pela pesquisa básica, em seguida passando para a pesquisa aplicada e, finalmente, chegando no desenvolvimento dos produtos e processos. Essa visão não resiste a dois argumentos. O primeiro é o exame dos gastos em P&D dos países que são líderes no desenvolvimento tecnológico: 60% do total do gasto em pesquisa e desenvolvimento é realizado na fase de desenvolvimento. As empresas são responsáveis por 67% dos gasto total em P&D. As universidades e instituições de pesquisa, juntas, gastam apenas 4,2% desse total.

O segundo equívoco é achar que a relação universidade-empresa é o vetor dinâmico do sistema de inovação. Esse é outro equívoco que não encontra base na história da evolução dos sistemas de inovação nos países líderes, nem em seus gastos. Na média dos países líderes, os gastos em projetos cooperativos entre universidade e empresa não atingem 8% do total. É importante notar que, nesses países, os setores dinâmicos tecnologicamente estão sobre controle das empresas nacionais que estabelecem redes com as universidades e instituições de pesquisa, sob sua coordenação. Portanto, a relação não é universidade-empresa, mas empresa-universidade.

O terceiro equívoco é achar que a subvenção vai ser o instrumento mais importante como incentivo para as empresas inovarem. Aqui o engano é pensar a inovação como um problema simplesmente de oferta de recursos e de não de modo sistêmico. Aliás, esse tem sido o problema da política de C&T no Brasil, desde o seu início no fim dos anos 60 até o momento atual, quando passou a ser chamada de política de inovação. Ao contrário dessa visão, pensar a inovação sistemicamente significa definir uma estratégia de integração operacional dos instrumentos de financiamento (equalização da taxa de juros e capital de risco) e dos instrumentos de redução do custo do investimento (subvenção e incentivos fiscais). Essa estratégia significa evitar a fragmentação da utilização dos recursos tal como é feita hoje no Brasil.

O quarto equívoco é pensar que a dinâmica do sistema de inovação é dada pelas micro

e pequenas empresas inovadoras. Este equívoco está ligado ao segundo, a proeminência da relação universidade-empresa. De novo, ao examinar os dados dos países líderes em inovação, verifica-se que as grandes empresas, os grandes oligopólios internacionalizados e líderes em inovação em cada um dos seus setores econômicos são responsáveis por 48,4% do total dos gastos em inovação das empresas. As micro e pequenas empresas, que são muito mais numerosas, gastam todas juntas apenas 14% do total.

Porém, o que é mais importante é que o direcionamento da processo de inovação e sua dinâmica é dado pelo gasto individual das grandes empresas, orientado pela sua estratégia. Não se trata aqui de discutir quem é mais ou menos inovador. Essa discussão é absolutamente extemporânea. Até porque, se alguma pequena empresa inovadora ameaçar a grande, ela será rapidamente absorvida ou transformada em uma fornecedora especializada de tecnologia, como também mostram os dados dos últimos anos das fusões e aquisições de empresas, em especial na área de fármacos de base biotecnológica.

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O quinto equívoco é não entender a importância do poder de compra do Estado para garantir demanda às empresas inovadoras nacionais e diminuir o risco e a incerteza do seu investimento. Uma rápida olhada nos dados dos gastos do orçamento público americano em P&D mostra, imediatamente, a escolha dos setores estratégicos: defesa e saúde. O primeiro responde por 45,6% do total e o segundo, por 27,9%. Juntos, somam 73,5 % dos gastos federais em P&D. Defesa quer dizer microeletrônica, software, materiais avançados etc. Saúde quer dizer biotecnologia, fármacos, equipamentos eletrônicos de diagnóstico etc. E ainda dizem que não se pode escolher os setores vencedores. Além disso, 74,55% do total dos investimentos em inovação são realizados pelas empresas. Elas financiam diretamente com seus recursos 68,5%. Portanto, recebem 6% diretamente do orçamento público.

Entender esse processo como sistêmico significa dizer que os instrumentos financeiros existentes devem atuar de modo integrado. Hoje no Brasil existem três instrumentos para isso: a equalização das taxas de juros, o capital de risco e a subvenção. Utilizar esses instrumentos de forma separada é atuar de forma fragmentada, não sistêmica. Se assim é, pode-se levantar alguns pontos que permitirão a modernização do sistema de financiamento das empresas nacionais inovadoras.

O primeiro, a utilização dos recursos dos fundos setoriais para a constituição de um seguro de garantia de crédito e de garantia de liquidez, para garantir o risco do financiamento e dar liquidez ao investimento em participação nas empresas inovadoras, garantir a titularidade dos ativos e a securitização das suas dívidas.

O segundo, o aumento dos recursos para o aporte financeiro às empresas nacionais, em capital de risco, equalização, subvenção e garantia de crédito e liquidez com a respectiva redução e eliminação do contingenciamento de recursos.

O terceiro, o fortalecimento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) como o Banco Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Para isso é necessária a sua capitalização, para que possa atingir um porte condizente com as suas responsabilidades. Estima-se que o capital da Finep tenha de atingir um valor próximo a R$ 1 bilhão para que possa atingir um desembolso de recursos de R$ 3 bilhões por ano.

O quarto, a Finep terá que se capacitar para operar todas as formas de participação no risco das empresas. Hoje, a Finep está restrita, quase que exclusivamente, a participação em fundos de capital de risco para empresas emergentes de base tecnológica. É uma forma indireta, talvez menos arriscada, mas que não condiz com o papel de estratégico que o financiamento público deve ter na criação dessas empresas e no compartilhamento do risco.

O quinto é estabelecer programas estratégicos, em compatibilidade com a política de inovação do governo, que estabeleça os critérios para a utilização conjunta dos instrumentos de equalização e participação nas empresas inovadoras nacionais e que haja uma atuação integrada entre a Finep e o BNDES, em especial nas suas linhas de financiamento da inovação.

Luiz Martins de Melo é professor do Instituto de Economia da UFRJ. luizmelo@fujb.ufrj.br