Título: O ICMS e os serviços de comunicação
Autor: Lassali, Welson
Fonte: Valor Econômico, 23/07/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Com a edição do Convênio ICMS nº 72, publicado no Diário Oficial da União em 7 de agosto de 2006, tal como alterado pelos Convênios nº 79, 98 e 125, de 2006, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) autorizou a maioria dos Estados a conceder remissão parcial de ICMS incidente sobre as prestações de serviços de comunicação, seguindo as alíquotas e condições previstas naquele normativo.

Em São Paulo, a implementação de tal benefício se deu por meio do Decreto n° 51.754, de 2007, que autorizou a satisfação de dívidas de ICMS de prestadores de serviço de comunicação, com redução de 50% do valor dos juros e 90% da multa punitiva, desde que incorridas até 31 de dezembro de 2005, sendo que o débito poderia ser pago integralmente até o risível prazo de 30 de abril de 2007 - 16 dias após a publicação do decreto - ou parcelado. Outros Estados já haviam tomado a iniciativa e editado normas para regulamentar a concessão deste benefício, cada qual prevendo prazos e algumas condições específicas, dos quais podemos mencionar o Rio de Janeiro (por meio do Decreto nº 40.252, de 30 de outubro de 2006, o Rio Grande do Sul (pelo Decreto nº 4.652, de 19 de setembro de 2006) e o Mato Grosso do Sul (com o Decreto nº 12.137/, de 14 de agosto de 2006).

Entretanto, o que aparenta ser uma benesse para os contribuintes na realidade é uma armadilha lastimável preparada pelos órgãos arrecadatórios. Mais uma vez o Confaz - e as secretarias estaduais, ato contínuo - tenta extrapolar suas estritas competências constitucionais e legais definindo como serviços de telecomunicações todos aqueles "serviços de valor adicionado, serviços de meios de telecomunicação, contratação de porta, utilização de segmento espacial satelital, disponibilização de equipamentos ou de componentes que sirvam de meio necessário para a prestação de serviços de transmissão de dados, voz, imagem e internet, independentemente da denominação que lhes seja dada, realizadas até a data do termo inicial de vigência deste convênio".

Segundo o artigo 155, inciso II da Constituição Federal e o artigo 2º, inciso III da Lei Complementar nº 87, de 1996, cabe aos Estados e ao Distrito Federal tributar toda a prestação onerosa de serviços de comunicação. Desta forma, o serviço que não for prestado onerosamente e que não for considerado pela legislação pertinente como serviço de comunicação não pode sofrer a incidência de ICMS, em respeito ao princípio da estrita legalidade tributária. A prestação de serviços de valor adicionado e a contratação de aluguel de banda satelital são atividades-meio, serviços auxiliares e preparatórios para a efetivação de eventual serviço de telecomunicação. Portanto, não constituem serviço de comunicação, não sendo permitida a exigência do ICMS com relação a atividades meramente preparatórias.

A Resolução nº 73, de 1998, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) delimita especificamente quais os tipos de serviços que podem ser considerados como de telecomunicação, negativamente descaracterizando: (1) o provimento de capacidade satelital; (2) a atividade de habilitação ou cadastro de usuário e de equipamento para acesso a serviços de telecomunicações; (3) os serviços de valor adicionado. Não pode um convênio ICMS expedido pelo Confaz alterar o conceito de serviços de telecomunicação, ampliando aquilo que não tem competência técnico-jurídica para fazê-lo. Compete privativamente à Anatel determinar o que é serviço de telecomunicação, e a agência já o fez por meio da Resolução nº 73.

O próprio Código Tributário Nacional (CTN) dispõe que a lei tributária não pode alterar a definição, conteúdo, alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa, ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas leis orgânicas do Distrito Federal ou dos municípios para definir ou limitar competências tributárias. É totalmente inconstitucional a tentativa de cobrança de ICMS pela contratação do aluguel dos aparelhos necessários à utilização da banda satelital sob a alegação de se tratar de um serviço de telecomunicação, como tem sido recorrentemente decidido pelo Supremo Tribunal Federa (STF).

Quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 116.121, de São Paulo, votado unanimemente pelo tribunal pleno em 11 de outubro de 2000, restou afastada a incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) da locação de bens móveis, pois coerentemente o Supremo entendeu que não se trata de uma prestação de serviço ("praestare" ou "facere"), mas apenas uma temporária cessão de direito de uso pela utilização do bem. Ademais, não há transferência da propriedade do bem locado, razão pela qual não se coaduna o negócio com a idéia de operação mercantil que daria azo à incidência de ICMS.

Desta maneira, as empresas que costumam operar neste setor devem ficar atentas para não serem ludibriadas com a "cenoura da anistia", até mesmo porque é condição imposta pelo Confaz que para fazer jus ao benefício o contribuinte não poderia questionar, judicial ou administrativamente, a incidência do ICMS sobre os pagamentos que vier a fazer para alugar capacidade satelital ou os equipamentos necessários para efetivar o "up&down link" correspondente.

Welson Lassali é advogado do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados

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