Título: País recusa proposta da OMC para corte de tarifas industriais
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 19/07/2007, Brasil, p. A3

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, avisou ontem que o Brasil "não está satisfeito" com uma proposta de cortes de 57% a 62% nas tarifas industriais do país, estimando ser mais ambiciosa do que na abertura agrícola, mas teve o cuidado de deixar a porta aberta para barganhas.

Amorim foi mais duro em relação aos Estados Unidos, ao saber que negociadores americanos teriam qualificado de "inaceitável" limitar em US$ 13 bilhões os subsídios domésticos agrícolas que mais distorcem o comércio. "Se os EUA, maior potência econômica do mundo, não querem um acordo, não vai ter acordo", afirmou. "Se for verdade, que assumam o ônus de sair da negociação."

Os mediadores das negociações agrícola e industrial na Organização Mundial do Comércio (OMC) apresentaram textos em vista de compromisso entre os 150 países-membros. Na agricultura, o mediador sugere corte tarifário médio acima de 50% e redução dos subsídios americanos a algo entre US$ 13 bilhões ou 16,4 bilhões. Na área industrial, o mediador defendeu coeficientes 19 ou 23 para emergentes, o que dá corte na Rodada Doha. A tarifa máxima nos países ricos ficaria em 10%, abrindo o caminho para exportações de têxteis, confecções e calcados, hoje afetadas por altas taxas.

Amorim se reuniu ontem durante mais de horas com o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, em Bruxelas, onde parece ter havido pelo menos um consenso: os textos são complexos e precisam de tempo para serem ''decifrados''.

Na parte de corte tarifário em agricultura, o Brasil vê "muitas coisas obscuras" e não dá para identificar qual será o ganho para os exportadores agrícolas brasileiros com expansão das cotas (volume quantitativo com tarifa menor) na UE. Também vê margem muito grande no corte de subsídios domésticos.

Na área industrial, o julgamento é mais duro. "Não estamos satisfeitos com os coeficientes apresentados. Tem que haver equilíbrio geral na negociação, mas não se pode comparar subsídios com tarifa industrial."

Para o Brasil, um acordo dependerá de "verdadeiro constrangimento aos subsídios, e de respeito aos nossos limites na área industrial". ) O ministro insistiu que "nada é inaceitável, estamos esperançosos de buscar aproximações, mas tem um caminho a percorrer".

Hoje, Amorim reúne o G-20 em Genebra. O embaixador da Argentina, Alberto Dumond, disse que a proposta que o país defende continua a ser corte de 50% nas tarifas industriais. Ele avaliou que os textos dos mediadores estão construídos sob óticas distintas e poderão sofrer reações diferentes dos países.

"Falconer (mediador agrícola) buscou o que entende ser politicamente realizável e tratou de fabricar exceções para todos que precisam disso, mas o critério seguido pelo mediador industrial é outro, é muito mais o que ele entende que tem que ser.". Resultado: o texto agrícola dificilmente pode ser criticado, mas não rechaçado, já o texto industrial terá mais resistência.

Se o Brasil e os Estados Unidos estão insatisfeitos pelas cobranças, a UE parece contente. Na área agrícola, não dá ainda para entender a extensão de suas concessões. Na parte industrial, a UE está satisfeita com a redução proposta para as tarifas do Brasil e outros emergentes. "Esses números (coeficientes 19 ou 23) são mais realistas, estão dentro de nossa margem", afirmou o porta-voz de Comércio, Peter Power.

Enquanto ele falava, a UE divulgou seus resultados comerciais de janeiro-abril, mostrando que o comércio Brasil-UE está em forte expansão Os produtos do Brasil registram a segunda maior alta entre as importações européias (17%), apenas atrás da China (23%). O saldo comercial do país com a União Européia aumentou para 3,7 bilhões de euros, comparado a 2,8 bilhões de euros em janeiro-abril de 2006.

O que chamou também a atenção ontem foi um artigo do embaixador dos Estados Unidos para a OMC, Peter Allgeier, respondendo criticas dos professores Jagdish Bhagwati e Arvind Panagariya, que culparam os EUA pelo fiasco da reunião de Potsdam. Allgeier repetiu que os EUA e a UE fizeram "importantes ofertas" sobre agricultura e produtos industriais, mas Brasil e Índia não se moveram, nem em produtos industriais nem na área agrícola.

O representante americano argumentou que a proposta industrial dos EUA resultaria num corte médio de 35% nas alíquotas de seu país, enquanto o que pediam do Brasil era para cortar as tarifas mais altas em "apenas 13%" e a Índia "em menos de 15%". Na agricultura, a Índia, com tarifa média de 114%, tampouco quis fazer movimentos, acusou.

Para Allegeier, a Índia e o Brasil recusaram assumir sua parte de responsabilidade "para fazer o comércio global funcionar para todos, particularmente os países em desenvolvimento". Para ele, não importava o que os EUA oferecessem para reduzir tarifas e subsídios, a Índia e o Brasil continuariam a cobrar mais.

Em Bruxelas, Amorim preferiu ignorar o texto do americano. "Não vou responder, entre Allgeier e Bhagwati, fico com Bhagwati". O ministro manifestou a esperança de que a Rodada Doha acabe no ano que vem, mesmo lembrando que a Rodada Uruguai atrasou bastante.