Título: Política macro ajuda Índia e prejudica Brasil, diz estudo
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 19/07/2007, Brasil, p. A3

Por falta de coordenação entre as políticas macroeconômica e de inovação, o Brasil tem dificuldades para fortalecer sua base tecnológica e atingir um crescimento sustentado. Na Índia, ocorre o inverso. É a capacidade dos governos de interligar as políticas que explica o bom desempenho econômico. Essa é a conclusão de um estudo do economista André Nassif, publicado pela Confederação das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

"A política macroeconômica joga a favor na Índia. No Brasil, joga contra", diz Nassif. Ele explica que o Brasil supera a Índia nos indicadores convencionais de inovação como gastos com pesquisa e desenvolvimento ou educação, mas, ainda assim, a economia da Índia cresce mais que a do Brasil. Segundo o estudo, a diferença é que os indianos utilizam as políticas cambial e de juros para auxiliar a inovação.

O trabalho é uma análise comparativa entre os sistemas de inovação e as políticas macroeconômicas de Brasil e Índia. Os esforços para o desenvolvimento econômico dos dois países dividem alguns aspectos comuns. Entre 1950 e 1980, Brasil e Índia adotaram uma política de substituição de importações, incluindo altas tarifas e barreiras não-tarifárias.

Em 1990 e em 1991, respectivamente, os governos de Brasil e Índia implementaram reformas liberalizantes, expondo os países à concorrência internacional. No Brasil, a abertura foi mais extensa e profunda do que na Índia. Antes das reformas, as tarifas de importação de produtos industriais estavam, em média, em 70% no Brasil e 128% na Índia. Depois da abertura, caíram para 10,4% no Brasil e 32% na Índia.

Alguns indicadores de inovação do Brasil são melhores que os indianos. Em 2002, o Brasil investia 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e tecnologia, diante de 0,8% da Índia. O gasto com P&D per capita estava em US$ 77 no Brasil, ante apenas US$ 20,5 na Índia. Entre 1970 e 2000, a taxa de alfabetização na Índia subiu de 33%, para 57%, enquanto, no Brasil, o aumento foi de 68% para 86%.

Apesar do maior investimento em inovação e da abertura mais ampla da economia, o Brasil cresce menos que a Índia há quase 30 anos. Na década de 80, a economia brasileira avançou, em média, 2,25%, comparado com 4,8% da Índia. Nos anos 90, o Brasil cresceu 2,5% e a Índia, 4,7%. Em 2004, 2005 e 2006, a economia brasileira expandiu, respectivamente, 5%, 2,3% e 2,8%, já a indiana avançou 8,5%, 8,7% e 8%.

Brasil e Índia impulsionaram a industrialização de maneira semelhante: utilizando planos de desenvolvimento e priorizando alguns setores, como bens de capital, químicos e infra-estrutura básica. A disparidade entre os dois países é que, depois da abertura da economia, a Índia não desistiu dos planos de desenvolvimento de longo prazo, enquanto o Brasil praticamente descartou a política industrial e de tecnologia. Para os governos brasileiros da década de 90, a estabilização macroeconômica se tornou prioridade, em virtude da ameaça de hiperinflação.

Nassif concorda que Brasil e Índia não poderiam manter níveis internacionais de competitividade e eficiência se mantivessem a política de substituição de importações. "A questão é a forma como a sociedade escolhe para se integrar aos mercados internacionais", diz. Enquanto o Brasil foi influenciado pelas regras do "Consenso de Washington" e mirou na queda da inflação, a Índia trilhou o modelo asiático e perseguiu o crescimento.

No Brasil, foram implementadas com vigor medidas como liberalização do comércio, privatização das empresas estatais, liberalização financeira, abertura da conta de capitais, câmbio flutuante e metas de inflação. Já a Índia adotou essas medidas de forma mais gradual. Apesar do regime de licenças de importação ter sido revogado na década de 90, o país manteve uma lista negativa de importações sujeitas a controle burocrático, que só foi eliminada em 2001. A política cambial indiana, por sua vez, mistura um regime de câmbio flutuante com ativa intervenção do Banco Central para evitar sobrevalorização da moeda.

Outro ponto importante é que a política de atração de investimentos na Índia não implicou a completa conversibilidade da conta de capitais. "Restrições para a entrada de capital de curto prazo fazem parte da estratégia de desenvolvimento da Índia", diz Nassif. Para ele, a prudência indiana ajuda a explicar a estabilidade do câmbio, dos preços e do crescimento. Em comparação com o Brasil, a Índia está longe de exibir um alto nível de internacionalização. O estoque de capital de estrangeiro em relação ao PIB chegou a 5,4% na Índia e em 25,8% no Brasil em 2003.

O estudo demonstra que a liberalização da economia na Índia foi acompanhada de políticas para fortalecer o sistema de inovação. O país manteve e incrementou seus programas atômico e espacial. A Índia também se destacou em segmentos de média e alta tecnologia, como farmacêutica e tecnologia da informação. Para Nassif, a tentativa do governo Lula de restaurar uma agenda industrial foi prejudicada pela falta de coordenação com a política macroeconômica. As decisões de inovação dependem de investimentos, que estão condicionados as expectativas de longo prazo. Por isso, as altas taxas de juros impediram as empresas de adotar estratégias de inovação desafiadoras. Nassif é economista do BNDES, mas o trabalho não reflete as posições do banco.