Título: Autoridades e TAM minimizam riscos da pista de Congonhas
Autor: Lamucci, Sérgio e Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 19/07/2007, Especial, p. A8

No primeiro dia após o maior acidente aéreo do país - e que provocou a morte de cerca de 200 pessoas - autoridades do governo e executivos da própria TAM foram unânimes em considerar que a pista era segura e estava em condições de ser operada, apesar da ausência das ranhuras que aumentam a aderência dos pneus em dias de chuva. Minimizaram, assim, o papel da pista como causa do acidente, embora essa possibilidade não tenha sido descartada.

Logo após o acidente, uma eventual má aderência da pista - recém reformada -havia sido apontada como a causa mais provável para o desastre com o Airbus A320 da companhia. Uma falha de infra-estrutura fazia sentido em meio a 10 meses de crise aérea, detonada pelo choque em pleno ar de um jato Gol e um Legacy, causando a morte de 154 pessoas. A redução da importância da pista como fator determinante do acidente abriu espaço para que falhas humanas ou mecânicas passem a ser mais consideradas nas hipóteses.

O presidente da TAM, Marco Antonio Bologna, foi ontem muito cauteloso em evitar especulações sobre as causas do acidente antes da conclusão das investigações. No entanto, reiteradas vezes durante a entrevista concedida à imprensa, o executivo teceu comentários a respeito da segurança de se operar na pista de Congonhas, apesar da ausência do chamado "grooving", as ranhuras que aumentam a aderência sob chuva. "A pista foi entregue sem o 'grooving', o que não a torna inoperante, dependendo da utilização e do momento", afirmou.

De acordo com Bologna, a companhia não tem registro de queixas de seus pilotos a respeito de dificuldades de pouso nos dias e horas que antecederam a tragédia. O executivo também explicou que o peso da aeronave, incluindo carga e passageiros, era de 62,5 toneladas. Abaixo do limite máximo de 64,7 toneladas que estava definido para Congonhas sob aquelas condições - sem o "grooving".

Para o chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), Jorge Kersul Filho, que está investigando as causas do acidente, "a aquaplanagem é pouco provável" no acidente da TAM. Segundo ele, no caso do bimotor da Pantanal, que saiu da pista na véspera, as marcas de pneu deixadas na pista também indicam que não houve aquaplanagem. Mesmo assim, Kersul disse que nenhuma possibilidade foi descartada ainda e que pista, falha humana e problemas mecânicos serão avaliados.

O chefe do Cenipa atestou que as imagens feitas no aeroporto mostram que o piloto tocou o solo no ponto certo, e não muito a frente da marca ideal, como se especulou inicialmente. Segundo ele, a aeronave pode ter virado para a esquerda por razões como o funcionamento de apenas um dos reversores das turbinas ou pneu furado.

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), relator da CPI do Apagão Aéreo do Senado, e o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), disseram que, pelas imagens, é possível perceber que o Airbus A320 da TAM percorreu a pista numa velocidade "muito acima do normal". Segundo Torres, o avião foi filmado por três das cinco câmeras que monitoravam as operações de Congonhas naquele horário. Ele relatou que o avião demorou de três a quatro segundos para cruzar uma distância normalmente percorrida em 11 segundos.

O superintendente de engenharia da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), Armando Schneider Filho, afirmou que a pista "é e está segura". "O coeficiente de atrito da pista foi medido na quinta-feira e estava até acima do mínimo necessário". A medição é feita semanalmente e, de acordo com o superintendente da Infraero, joga-se água na pista para simular condições de chuva.

Além disso, segundo Schneider, 20 minutos antes do acidente, o nível de água foi medido por dois técnicos que a percorreram nos dois sentidos. "A pista estava molhada, mas não havia formação de lâmina d'água." Embora considere que a liberação da pista principal de Congonhas não foi precipitada, Schneider confirmou que ela permanece fechada até sexta-feira e, depois, só operará sob tempo seco.

Controladores de vôo, no entanto, consideram que a falta de ranhuras na pista foi determinante para o desastre. Ricardo Sterchele, secretário executivo da Federação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo afirmou que no domingo dez pilotos reclamaram que a pista estava escorregadia. Segundo ele, essas queixas foram registradas pelos controladores no livro de ocorrências.

Para o controlador, a pista sem as ranhuras estaria preparada para uso apenas em dias secos. Sterchele contou que, desde o início do mês, não eram mais os controladores de Congonhas que liberavam a pista para uso. A atribuição foi transferida para o Centro de Gerenciamento de Navegação Aérea (CGNA), que fica no Rio de Janeiro. "O acidente é resultado de irresponsabilidade do governo."

O controlador reclamou ainda que a abertura da pista de Congonhas foi apressada para desafogar o caos aéreo, principalmente com o início das férias escolares.

De acordo com Kersul, da Cenipa, as duas caixas-preta do Airbus foram encontradas e estavam danificadas pelo excesso de calor. Segundo ele, não é possível saber se o conteúdo foi comprometido. As caixas chegam aos Estados Unidos para análise na segunda-feira. Na quarta, retornam ao Brasil já degravadas, e então começa a investigação do conteúdo. De acordo com ele, o prazo médio de investigações de acidentes aéreos costuma ser de 18 meses, mas a expectativa é concluí-las em 10 meses.

Ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, considerou que em 30 dias será possível um laudo definitivo, embora nesses casos o prazo de investigação seja de 30 dias, prorrogáveis por mais 30.

A TAM e a Airbus terão muito em breve concluído o relatório interno sobre o acidente. O documento deverá ser mantido em sigilo até o pronunciamento oficial das autoridades brasileiras. Foi assim com a queda do Fokker 100 em 1996. A TAM já sabia sobre a falha do relé do reversor, sistema auxiliar de frenagem, poucas horas depois da queda, apesar de só ter confirmado o fato muitos dias depois, quando a informação já tinha vazado para a imprensa.

Fazem parte da comissão interna que está investigando o caso o vice-presidente, Rui Amparo, engenheiros, pilotos, além dos cinco especialistas enviado ao Brasil pela Airbus. A rápida investigação interna de acidentes é regra na aviação mundial, independente da legislação de cada país.

Fontes próximas a TAM informam que, a princípio, a avaliação interna é de que a pista escorregadia no aeroporto de Congonhas contribuiu para o acidente mas não foi o fator determinante. Os pilotos são treinados para lidar com situações como a que ocorreu, adotando procedimentos para evitar o acidente, como arremeter o avião para evitar uma colisão. Os indícios são de que o comandante Stefanini acelerou na tentativa de arremeter o jato, imprimindo grande velocidade. Por algum motivo, porém, não conseguiu subir o suficiente para passar por cima dos imóveis que estão no entorno do aeroporto.

No vôo estavam 162 passageiros, sendo uma criança de colo, seis tripulantes e 18 funcionários, totalizando 186 pessoas. As outras vítimas eram funcionários da TAM Express, prédio invadido pelo jato após sair da pista. (Colaborou Paulo de Tarso Lyra, de Brasília)