Título: Lula se resguarda por temer politização
Autor: Costa, Raymundo e Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 19/07/2007, Especial, p. A9

O Palácio do Planalto decidiu despolitizar a discussão sobre o acidente do vôo 3054 da TAM, mas o ambiente no governo é tenso e não está descartada a demissão de toda a cúpula civil e militar do setor aeroviário, se ficar comprovado que houve negligência. Para fora, o Planalto procura transmitir tranqüilidade; internamente, as discussões são acaloradas.

Num primeiro momento, houve um clima de caça às bruxas. Ainda na manhã de ontem havia ministro próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva discutindo se a culpa deveria ser atribuída à incompetência dos controladores de vôo e da Infraero, ingerência do governo paulista nas obras de Congonhas, e a conveniência de o Congresso por fim ao recesso. Prevaleceu a tese segundo a qual o governo não deveria dar tratamento político à tragédia, o que só interessaria à oposição.

No momento de caça às bruxas, o Planalto pensou em responsabilizar o governador de São Paulo, José Serra, que seria o maior interessado em reabrir logo a pista principal de Congonhas, além de o Estado ser um de seus maiores usuários. Ao saber da movimentação, Serra informou que a Infraero, de fato, contratara o Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP para fazer a avaliação da nova pista. Mas o laudo ainda não está pronto, o que só deve ocorrer no próximo dia 27. A Infraero teria determinado a reabertura da pista, há duas semanas, por sua conta e risco.

O Planalto espelhou-se em tudo o que ocorreu após o acidente com o vôo 1907, da Gol, que desencadeou a crise aérea, como referência. A estratégia, que de início era de divisão de responsabilidades, mudou, mas o sentido continuou o mesmo: tentar evitar que a tragédia contamine o governo federal.

1- Não é hora de discutir política, mas vidas, o apoio do governo às famílias das vítimas do acidente.

2- Tratar o acidente como uma tragédia cujas causas devem ser rigorosamente apuradas. Até la, apenas manifestações de pesar. Enquanto isso, descongestionar o tráfego aéreo em Congonhas.

3- Só depois de conhecida as causas, falar em culpados. No caso do vôo 1907 da Gol, a discussão foi politizada de imediato. Depois - segundo a visão palaciana - ficou comprovado que a causa fora um "transponder" desligado, mas então a crise já estava instalada.

4- Não será montado um gabinete de crise, até porque isso seria admitir sua existência. Além disso, não foi criado um gabinete semelhante após o acidente da Gol.

O roteiro do discurso foi seguido à risca ao longo do dia. Ontem à tarde, um assessor direto de Lula argumentava, referindo-se aos acidentes: "Veja, no primeiro acidente, dois aviões se chocaram no ar porque o 'transponder' estava desligado. No segundo, ainda não sabemos o que aconteceu, se foi problema na pista, falha humana ou mecânica".

Segundo um ministro palaciano, "não há sentido disputar versões". Também foi descartado pronunciamento de Lula em cadeia de rádio e TV. "O presidente fez o que tinha de fazer: divulgou nota lamentando o ocorrido, decretou luto oficial e mandou o Brigadeiro Saito (comandante da Aeronáutica) para acompanhar o resgate das vítimas", explicou um assessor direto de Lula.

Sobre a hipótese de demissão da cúpula do setor aéreo, um ministro disse aos jornalistas: "O presidente Lula não frita ninguém. Se alguém pedir demissão, ele pode até considerar. Mas se for o Waldir, Lula vai tentar protegê-lo, para não passar a imagem de que é o culpado".

Segundo apurou o Valor, no entanto, o presidente trata com cautela a situação, mas estaria disposto a demitir toda a cúpula do setor aéreo se ficar comprovado, por exemplo, que ela foi advertida sobre a possibilidade de acidentes na nova pista de Congonhas. Apesar da tranqüilidade demonstrada por Lula, aliados classificaram de "extensa" a possibilidade de que a crise "caia em seu colo". Além de a oposição exigir providências, o governo mantém uma conflituosa relação com os controladores.

Lula determinou que o comandante da aeronáutica centralize a investigação. Ele passou a ser, assim, a peça-chave do Planalto na busca de respostas para a tragédia. Apesar da consternação, nenhum ministro foi escalado para gerenciar a crise, ao contrário do que aconteceu no apagão de energia, em 2001, quando Pedro Parente acumulou a Casa Civil e da Câmara de Gestão da Crise de Energia. "Foram dois desastres, é diferente se fosse uma epidemia. Aconteceu em nosso governo, mas podia ter acontecido em qualquer outro", desconversou um ministro.

O presidente foi informado do acidente na noite de terça-feira pelo assessor especial para assuntos da aeronáutica, brigadeiro Joseli Parente Camelo. Quando Walfrido chegou para se despedir e comemorar as medalhas de ouro no Pan, Lula mostrou o acidente na TV e pediu para que ficasse no gabinete. Aos poucos, foram chegando o ministro da Comunicação, Franklin Martins, a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Roussef e Valdir Pires. O ministro da Justiça, Tarso Genro, ligou para o chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, afirmando que, se fosse necessário, também iria ao Planalto.

Serra ligou para Dilma afirmando que iria ao local do acidente e, se necessário, entraria novamente em contato para passar informações. Pouco depois, o brigadeiro Saito, que foi deslocado de São José dos Campos para São Paulo, chegou ao local do acidente e ligou para o Planalto. Até a 1h da manhã de quarta, quando o grupo foi desmobilizado, foram cerca de dez telefonemas trocados entre o presidente e o comandante da aeronáutica, Juniti Saito.