Título: Em menos de um ano, dois grandes acidentes aéreos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/07/2007, Opinião, p. A18

O Aeroporto de Congonhas era um dos mais prováveis palcos para tragédias aéreas como a que trouxe a morte a 186 passageiros do Airbus da TAM e de um número ainda desconhecido de vítimas que trabalhavam no prédio com que ele se chocou. Superlotado, com pistas pequenas, sem rota de fuga, em região densamente povoada, com um número de vôos já ultrapassando o limite de sua capacidade, Congonhas tornou-se menos seguro. Mesmo com uma infra-estrutura perfeita, o aeroporto não reuniria todas as condições ideais para vôos sem riscos.

As causas do acidente não serão conhecidas rapidamente. Uma comissão de investigação oficial tem de apresentar um relatório preliminar em 90 dias. Especialistas indicaram algumas direções que podem apontar para as causas do acidente e devem guiar as investigações. A primeira é a inexistência de "grooving" na pista central, que recentemente passou por uma reforma e foi colocada em uso sem este procedimento, que facilita a drenagem de água e melhora a aderência. Uma vistoria da Cenipa, órgão da Aeronáutica cuja missão é a prevenção de acidentes aéreos, constatou, após vistoria, que as duas pistas estavam em condições de uso. A direção da TAM, em entrevista coletiva ontem, em São Paulo, disse que mesmo sem o "grooving" as pistas são seguras desde que o acúmulo de água não forme uma lâmina superior a 3 milímetros e que não teve problemas em mais de 100 pousos de aviões da companhia no dia anterior, um dia de chuvas. Essa não é a opinião de pilotos, que apontam a pista de Congonhas como arriscada e excessivamente escorregadia.

A segunda possível causa aventada é um erro humano. Os pilotos, por exemplo, poderiam ter aterrissado em um ponto bem além do início da pista, o que tornou difícil a frenagem no restante do reconhecidamente curto (1940 metros) espaço para pouso de grandes aeronaves, como o Airbus. Relatos de controladores de vôo, que preferiram anonimato, apontam que o avião pousou onde tinha de pousar e que nada de errado parecia ocorrer com ele. A terceira causa apontada é uma falha no sistema de freagem da aeronave.

As responsabilidades são diferentes, dependendo de qual das hipóteses se confirmar. A primeira aponta claramente para a gestão estatal dos aeroportos, a segunda para os pilotos e a terceira para a companhia aérea e a Airbus, fabricante da aeronave. Mas há poucas dúvidas hoje, depois de dois dos maiores desastres da aviação civil brasileira em menos de um ano, que o sistema de controle estatal entrou em pane há muito tempo e não dá sinais de recuperação.

Recomendações antigas e novas, entre elas a da CPI do Apagão, indicavam para a urgência do redirecionamento de vôos para longe do saturado aeroporto de Congonhas. O aeroporto comporta 14 milhões de passageiros por ano e acomodou 18 milhões em 2006. É comum não haver espaço para pouso de aeronaves, que têm de ficar no ar até que um avião desocupe a pista. Por incompetência, pressão comercial ou negligência, a reforma da pista central foi liberada antes do prazo sem dispor de total segurança (o grooving, afinal, não é um enfeite). Na última erupção do caos aéreo, em meados de junho, o governo se mostrava mais preocupado em rearranjar hangares para ampliar o número de aviões em Congonhas do que em executar um plano detalhado para uma urgente e necessária mudança das rotas aéreas. A continuidade desta situação não leva automaticamente a acidentes, mas aumenta as chances de eles ocorrerem.

O crescimento da economia esbarrou na falta de infra-estrutura em primeiro lugar nos aeroportos. Os três principais estão saturados e a maior parte dos outros 24 também estarão entre 2012 e 2015. Não há mais como acomodar tantos vôos com a atual rede aeroportuária e a falta de controladores aéreos. Estes fatos são conhecidos, falta uma decisão política para enfrentá-los com um plano e verbas correspondentes. Seria importante que empresas privadas pudessem construí-los e operá-los, retirando do setor o peso excessivo do Estado. Até agora o que se viu, porém, foi a trágica coexistência de falta de planejamento de longo prazo e grave incompetência no dia-a-dia.