Título: A jóia da coroa
Autor: Gragnani, José Antonio
Fonte: Valor Econômico, 19/07/2007, Opinião, p. A18

Chegou a vez do mercado imobiliário! Realidade há vários anos em outros países, esse mercado permaneceu dormente por muito tempo, mas agora, com a estabilidade conquistada ao longo dos últimos anos, aliada a liquidez internacional nos mercados financeiros e conseqüente redução dos retornos dos ativos nacionais e internacionais, ele se transformou na jóia da coroa.

Em termos percentuais, os recentes dados mostram que o financiamento imobiliário vem apresentando uma evolução significativa, mas em termos absolutos, a participação ainda beira os 2% do PIB. Para se ter uma idéia de quão pequeno ainda é esse mercado, na África do Sul ele representa 25% do PIB, no Chile, 17%, no México, 11%, e na Argentina, 4%, sem falar em países desenvolvidos, como Estados Unidos (69%) e Reino Unido (79%). Como outra forma de comparação, o México possui 103 milhões de habitantes, tem um déficit habitacional de 4,5 milhões de residências e vem num estágio crescente de desembolso, tendo financiado 600 mil casas no último ano, enquanto que o Brasil possui quase o dobro da população e, embora em expansão, financiou pouco mais 100 mil casas em 2006. Se por um lado esses números mostram o abismo que existe entre o Brasil e outros países, desenvolvidos ou emergentes, por outro ele fortalece a importância de se desenvolver leis e mecanismos que impulsionem o sistema imobiliário em todos os setores, para que possamos recuperar o tempo perdido e atingir um patamar de evolução favorável. O potencial de desenvolvimento desse mercado é enorme, dado que o déficit habitacional no país atinge a casa de 8 milhões de residências e é crescente, pois o número de casas financiadas por ano ainda não é suficiente para promover a redução do déficit. As classes C, D e E representam mais de 95% desse número, sendo que a maior parte dos agentes financeiros buscam financiar as classes A e B, ou seja, só a adequação das leis trará a congruência necessária entre segurança financeira para os financiadores e necessidades da população. O governo tem trabalhado e conseguido alguns importantes avanços nesse sentido. Em 2004, aprovou a lei 10.931, introduzindo o Patrimônio de Afetação, o Valor Incontroverso e adequando a Alienação Fiduciária. Essas alterações trouxeram maior segurança para os investidores/compradores, que por um lado deixaram de correr riscos relativos à incorporadora, e por outro passaram a contar com um mecanismo de recuperação do bem muito mais eficiente. Ainda com relação a financiadores, maior segurança significa aumento da competição no setor com conseqüente redução nas taxas e ampliação das modalidades de financiamento, beneficiando os investidores/compradores. Nos anos de 2005 e 2006, o governo tomou uma série de medidas visando diminuir a carga tributária, bem como ampliar o crédito nesse setor. Essas ações tem incentivado a entrada de novos participantes nesse mercado, mas ainda há muito a evoluir nesse setor. Tal como em qualquer outro mercado, é de fundamental importância criar mecanismos que possam expandir o mercado e é nesse sentido que alguns pontos poderiam contribuir com esse objetivo:

1) Lei do Inquilinato: essa lei, de 1991, poderia ser atualizada de forma a atender as partes envolvidas em condição de equilíbrio. O imóvel também é visto como uma forma de poupança, onde investidores compram com objetivo de revenda ou locação. A medida que a desocupação por falta de pagamento ou qualquer outra quebra de contrato ocorra de forma rápida, investidores terão maior apetite por destinar recursos nesse tipo de investimento. As garantias utilizadas atualmente não são suficientes para cobrir o período que o processo de despejo demanda para o retorno do bem, razão pela qual grande número de imóveis permanece fechado ao invés de serem alugados. Segundo pesquisas do IBGE, existe pouco mais de 5 milhões de domicílios vagos em áreas urbanas. Não se tem estatística de qual percentual dos domicílios seriam passíveis de aluguel, mas, independente disso, o número deverá ser significativo. Aumentar o volume de garantias traria maior conforto ao locador, mas encareceria a despesa com aluguel, razão pela qual o correto seria agilizar o processo de desocupação. Consequentemente, a redução do risco de perda de parcelas de aluguel e de despesas jurídicas impulsionaria o mercado de imóveis novos e usados e ajudaria a reduzir o déficit habitacional. A título de ilustração, nos Estados Unidos o mercado de locação chega a atingir 55% dos imóveis, contra 6% no Brasil.

2) Padronização de contratos: atualmente, financiamentos de imóveis tem sido securitizados sem padronização de contratos, dificultando a criação de um mercado secundário líquido, como o da dívida pública federal. Pelo volume potencial que tem, a padronização de contratos poderia elevar a liquidez desses ativos, fazendo com que houvesse a redução dos custos de financiamento.

-------------------------------------------------------------------------------- Nesse mercado, o potencial de desenvolvimento é enorme, dado que o déficit habitacional no país é de 8 milhões de residências --------------------------------------------------------------------------------

3) Cadastro positivo: o cadastro positivo é uma ferramenta importante para dar maior agilidade na aprovação de financiamentos, principalmente nas classes C, D e E.

4) Simplicidade: operações de financiamento imobiliário costumam levar dias para serem liquidadas, com alto custo e falta de padronização de contratos. Além disso, os imóveis precisam ser escriturados e, posteriormente, registrados, ações que levam em média um mês. Imóveis deveriam ter registros eletrônicos e simplificados de forma a dinamizar as negociações. Essa medida traria maior transparência e segurança às negociações e permitiria aos proprietários utilizarem, com maior agilidade, imóveis como garantia em operações de crédito, fato que alavancaria não só o mercado imobiliário, mas toda a economia.

Embora sejam medidas que possam levar algum tempo para serem implementadas, elas aumentariam o potencial de desenvolvimento do mercado imobiliário, atingindo todas as classes sociais.

José A. Gragnani é head of structured finance do Banco UBS Pactual. Jose.Gragnani@ubs.com