Título: Setor aéreo em xeque
Autor: Pavini, Angelo e Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 19/07/2007, EU & Investimentos, p. D1

A tragédia do vôo 3054 da TAM atingiu em cheio as ações de todo o setor aéreo. A preferencial (PN, sem voto) da TAM caiu ontem 9,07%, liderando as baixas do Índice Bovespa. A PN da concorrente Gol perdeu 2,64% e, indiretamente afetada, a fabricante de aviões Embraer registrou queda de 1,37% em suas ações ordinárias (ON, com voto). Unibanco, cuja seguradora é responsável pela apólice do avião, chegou a cair 2,79% durante o dia, mas se recuperou após a confirmação de que havia repassado o risco para companhias no exterior, o que fez a unit (recibo de ações) do banco fechar com pequena baixa, de 0,20%.

Mas, muito além do impacto imediato nas cotações, analistas do mercado alertam que o acidente aprofunda a crise do setor aéreo brasileiro, que teve seu início em setembro do ano passado com a queda do avião da Gol. E não se restringe somente às empresas, mas à toda infra-estrutura aeroportuária do país. E suas conseqüências - tanto na procura por passagens quanto nos resultados das empresas - vão ser sentidas por muitos meses, mesmo depois de as condições melhorarem, como ocorreu com o apagão do setor elétrico.

O acidente coloca ainda mais em xeque a credibilidade da segurança do setor aéreo brasileiro, diz Eduardo Puzziello, analista da Fator Corretora. "Isso é uma propaganda extremamente desfavorável e vai reduzir a demanda por transporte aéreo nos próximos meses", diz. E isso vai bater forte no desempenho operacional e na rentabilidade das empresas a médio prazo. Para ele, diferente do da Gol, esse acidente atinge a credibilidade de todo o setor, não de uma empresa apenas. "Ele chega em uma hora ruim para TAM, Gol ou BRA, pois a crise aérea começava a diminuir." Por isso, Puzziello colocou os papéis de TAM e Gol, que tinham recomendação de "atraente", em revisão. "Qualquer projeção agora seria especulação, é melhor esperar baixar a poeira, ver os números do setor depois do acidente", diz ele, que continua acreditando no potencial do setor a longo prazo.

Outro que reduziu a recomendação para as ações PN da TAM foi o Citigroup, que passou de "compra" para "manter", segundo a agência Reuters. Já a HSBC Corretora colocou sob revisão as estimativas para o setor de aviação civil. Segundo relatório, a instituição diz acreditar que a infra-estrutura aérea ainda se encontra deficitária no país e que, "com mais esse grave acidente, a situação do setor tende a se agravar no curto prazo". Diante disso, a corretora mudou a recomendação das ações da Gol de "manutenção" para "em revisão".

Já a Brascan Corretora avalia que o impacto financeiro do acidente para a TAM é mínimo, pois a companhia possui seguro tanto da aeronave como para as indenizações. Não por acaso, a Standard & Poor's anunciou ontem que os ratings (nota de classificação de risco) de crédito corporativo de longo prazo atribuídos à TAM não são imediatamente afetados pelo acidente aéreo e, como a TAM está coberta por apólices de seguro contra perdas e danos, os efeitos financeiros deverão ser minimizados.

Mas, no curto prazo, o impacto do acidente recai sobre a credibilidade do setor. Na avaliação da analista da Brascan Mel Fernandes, a demanda do setor deverá sofrer no curto prazo e até mesmo a realocação de rotas para outros aeroportos próximos a Congonhas, como Guarulhos e Viracopos, pode influenciar os custos das companhias. Para ela, apesar de a recomendação para as PN da TAM ser de "acima da média", com preço alvo de R$ 84,47, no curto prazo os papéis deverão sofrer.

Só para se ter idéia, após a semana do incidente envolvendo um avião da Gol em setembro de 2006, as ações da própria Gol e mesmo as da TAM nunca mais se recuperaram. Desde outubro de 2006, a PN da Gol acumula queda de 25,55%, até ontem, e o papel PN da TAM tem recuo de 10,97%.

O acidente evidencia os riscos para o futuro do setor com a falta de investimentos em infra-estrutura, diz Kelly Cristina Neander Trentin, da SLW. "Isso traz à tona um sentimento de que o país não oferecerá condições para as empresas crescerem como previsto." Ela manteve a recomendação "neutra" para os papéis da TAM e da Gol.

Para o diretor de uma corretora paulista, até que se apure o caso ou mudem perspectivas mais profundas sobre o setor aéreo brasileiro, os fundamentos das empresas não mudam. "Portanto, com a queda dos papéis hoje (ontem) esta pode ser até uma boa oportunidade para comprar os papéis em preço melhor." Para o curto prazo, no entanto, as ações de Gol e TAM ainda embutem elevado risco. Ontem, as ações da EADS Company, grupo controlador da Airbus, caíram 2,72% na bolsa de Paris.

Na visão do sócio da Modal Asset Management Alexandre Póvoa, a tragédia só não impacta o mercado financeiro brasileiro como deveria porque o cenário econômico benigno tanto local quanto externo acaba servindo como uma espécie de blindagem. "Isso é muito ruim porque dá espaço para o governo continuar errando, afinal de contas o mercado não pune mesmo", critica Póvoa. Já no longo prazo, as seqüelas são implacáveis. "As ações da Petrobras não caem à toa, isso é prova de que o investidor está insatisfeito com a gestão das estatais", completa.