Título: Ano marcado a sangue
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 01/01/2011, Mundo, p. 14

2010 entra para a história como o mais violento do combate ao narcotráfico, com 12.456 mortos. Especialistas divergem sobre o sucesso da campanha lançada pelo presidente Calderón contra os cartéis

Cabeças encontradas no chão, corpos enterrados em valas no deserto, explosões de carros em ruas movimentadas de cidades, ataques a clínicas de reabilitação de drogados, assassinatos à queima-roupa, execução de 72 imigrantes ilegais ¿ incluindo quatro brasileiros. São apenas alguns dos retratos da violência da guerra contra o narcotráfico no México. Desde 2006, quando o governo de Felipe Calderón resolveu combater os cartéis, foram contabilizados 30.196 mortos. Este ano, foi o mais sangrento de todos: 12.456 pessoas morreram. O número representa quase a metade dos registros em quatro anos. Diante de dados tão negativos, as autoridades planejam manter o braço firme e eliminar a corrupção, uma das vias que mantém viva as organizações criminosas.

A estatística de mortes violentas é resultado de uma guerra não apenas travada pelo governo mexicano, mas também entre as sete principais organizações criminosas, de norte a sul do país. De acordo com o pesquisador sobre segurança na América do Norte e professor da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), Raúl Benitez Manaut, dos 30.196 mortos, 90% são criminosos, 5% policiais e 5% inocentes. ¿A ofensiva que começou no governo Calderón, em dezembro de 2006, consiste em capturar os grandes chefes dos cartéis. Isso provoca conflitos entre eles, uma luta até a morte pelos carregamentos de drogas, principalmente a cocaína¿, comenta o especialista mexicano.

No ano mais marcante de Calderón no combate ao tráfico, o governo prendeu 27,2 mil suspeitos de ligação com os cartéis de drogas. De acordo com um comunicado das forças de segurança, foram apreendidas mais de 2 milhões de toneladas de maconha, 17 milhões de unidades de psicotrópicos e 12 toneladas de metanfetaminas. Uma das medidas do governo começa a surtir efeito e pode ter aumentado a violência: as rotas do tráfico começaram a ser afetadas pela ação policial. Por isso, cresce a cada dia a disputa interna entre os criminosos, em busca de território.

As autoridades consideram lamentável o alto número de mortes em 2010, mas o veem como um sinal de que os grupos começam a enfraquecer. ¿O governo sustenta que está no pico mais alto da violência, mas que o número de assassinatos deve diminuir após capturas e mortes de chefes do tráfico. Os cartéis mais violentos do México, o Golfo e o La Família, sofreram duros golpes nesses últimos meses¿, conta Manaut.

Para o mexicano Héctor Domínguez-Ruvalcaba, professor do Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Texas e editor de Gender Violence at the U.S. and Mexico Border (Violência de gênero na fronteira dos EUA com o México, ainda não publicado no Brasil), não há como justificar mais de 30 mil mortes violentas, muito menos afirmar que os criminosos perdem o poder. ¿Os cartéis se fragmentam continuamente e isso produz conflito entre eles. Por outro lado, eles se infiltraram em diversas partes do governo para desviar as operações contra as drogas. Os traficantes têm o controle de funcionários estaduais e, portanto, há diferenças entre as estratégias anti-criminais do governo local e federal¿, explica.

A corrupção é um desafio do combate ao narcotráfico. O poderio econômico dos cartéis compra policiais, testemunhas e garante o apoio da comunidade. Muitos são empregadores de grande parte da população e outros chegam a doar dinheiro para a construção de escolas e igrejas. ¿Algumas máfias se caracterizam por garantir a segurança pública, como o cartel La Família. Em alguns estados, como em Michoacán, formou-se uma base social construída pelo narcotráfico. As pessoas preferem os cartéis à polícia¿, diz Domínguez-Ruvalcaba.

A guerra do narcotráfico afeta países vizinhos. O grupo Los Zetas começou a migrar para a Guatemala ¿ mais de 800 traficantes mexicanos atuam do outro lado da fronteira. Em três anos, o grupo teria conseguido controlar 75% dos crimes em território guatemalteco. O governo de El Salvador começa a se preocupar com a imigração de criminosos. ¿Eles tentam estabelecer uma estratégia de retaguarda segura em toda América Central¿, afirmou David Mungía Payés, ministro da Defesa salvadorenho.

Reforma essencial Para conseguir superar o problema do narcotráfico, o México precisa ir além da disputa armada com os traficantes. Será necessário mudar o sistema de funcionamento de defesa do governo e acabar com a corrupção, a fim de coibir ligações internas com os cartéis. Mesmo com o apoio dos países vizinhos, especialmente dos Estados Unidos, os mexicanos devem fortalecer suas forças e encontrar uma forma de enfraquecer as organizações criminosas.

Controlar a violência e diminuir o número de mortos não serão tarefas cumpridas nos próximos anos. Em diversas ocasiões, o presidente Felipe Calderón disse que a guerra deve se estender além do seu mandato, que termina em 2012. ¿É comum encontrar pessoas que creem que essa situação não pode se estender mais, porém não existe uma proposta que faça isso terminar. Se a tomada do controle da situação implica em eliminar a corrupção, que permite a impunidade e a cumplicidade dos governantes, temo que o processo será lento¿, afirma Héctor Domínguez-Ruvalcaba, professor do Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Texas.

Para Vanda Felbab-Brown, pesquisadora sobre segurança e economia do narcotráfico do Instituto Brookings, o governo mexicano precisa ter leis mais firmes contra a corrupção, principalmente nas forças de segurança. ¿Eles precisam incluir ações contra os oficiais corruptos de alto escalão, programas de proteção à testemunha e uma cultura mais intolerante. Além de medidas mais técnicas para a entrada de novos recrutas na polícia. Uma reforma na polícia demora pelo menos uma década, mas é necessária, para se estabelecer uma cultura diferente dentro da corporação¿, afirma a especialista.

Segundo Raúl Benitez Manaut, da Universidade Nacional Autônoma do México, investir em uma nova estruturação governamental é crucial. ¿A solução é melhorar a capacidade da polícia, das Forças Armadas e dos serviços de inteligência. É imprescindível eliminar a corrupção da segurança do Estados, principalmente dos policiais estaduais e algumas forças de investigação¿, garante o especialista. (TS)