Título: Palestina, um Estado fracassado
Autor: Avineri, Shlomo
Fonte: Valor Econômico, 18/07/2007, Opinião, p. A11

Aparentemente, a cada semana a Palestina dá mais um passo para trás. O insucesso do presidente Mahmoud Abbas em promover a Assembléia Legislativa Palestina, devido a um boicote do Hamas, poderá resultar inexoravelmente no colapso final das estruturas políticas criadas segundo os Acordos de Oslo. Infelizmente, esse é apenas o mais recente capítulo na trágica história palestina de tentativas fracassadas de criar um Estado nacional.

Os palestinos vêm sua história como uma luta contra o sionismo e Israel. Mas a realidade é mais complicada, e pontuada por repetidos malogros na criação de um organismo político coerente, mesmo quando as possibilidades históricas eram favoráveis.

Talvez o primeiro fracasso tenha ocorrido na década de 20, quando o Mandato Britânico na Palestina estimulou as duas comunidades nacionais - judia e árabe - a estabelecer instituições comunitárias de autogoverno para cuidar das questões de ensino, bem-estar social, setor habitacional e administração local.

Os judeus - à época, menos de 20% da população da Palestina Britânica - formaram o que tornou-se conhecido como o Comitê Nacional (Va´ad Leumi), baseado em um organismo eletivo, a Assembléia Representativa dos Judeus Palestinos. Aconteceram eleições regulares para essa assembléia, por vezes com mais de uma dúzia de partidos competindo.

Essa instituição autônoma tornou-se a precursora da estrutura política do nascente Estado judeu, e seus líderes - David Ben-Gurion entre eles - vieram a constituir a futura elite política de Israel. Israel teve êxito como nação, com uma vida parlamentar vibrante e por vezes estridente, exatamente pelo fato de seus líderes terem capturado essa oportunidade.

Os palestinos, porém, nunca criaram estruturas estatais embrionárias similares: um Alto Comitê Árabe foi criado, constituído por personalidades regionais e tribais, mas nunca foram realizadas eleições. O mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini (posteriormente, um aliado da Alemanha nazista), tornou-se seu presidente, mas a instituição nunca teve êxito em criar uma liderança nacional amplamente aceita ou em proporcionar à comunidade árabe um grande leque de serviços educacionais e de bem-estar social oferecidos à comunidade judaica por suas instituições eleitas.

O segundo malogro aconteceu durante a Revolta Árabe contra o mandato britânico na Palestina em 1936-1939, que foi acompanhada de ataques terroristas de enormes proporções contra civis judeus. A revolta foi brutalmente reprimida pelo exército britânico, mas não antes que uma cisão na comunidade palestina resultasse na formação de duas milícias armadas - uma delas baseada no clã Husseini, a outra derivada dos Nashashibis, mais moderados - que passaram a combater-se mútua e perversamente. Mais palestinos foram mortos no entrechoque dessas milícias do que pelo exército britânico ou pelas forças judaicas de autodefesa.

O terceiro fracasso - ainda mais trágico - aconteceu em 1947-48, quando árabes palestinos rejeitaram o plano de partição proposto pela ONU, que contemplava Estados árabe e judaico separados, após a partida dos britânicos. Embora os judeus aceitassem essa solução conciliatória, os árabes palestinos, apoiados pelos países da Liga Árabe, a rejeitaram e foram à guerra contra o emergente Estado de Israel.

-------------------------------------------------------------------------------- Israel teve êxito como nação, com uma vida parlamentar vibrante, já os palestinos, nunca criaram estruturas estatais embrionárias --------------------------------------------------------------------------------

A derrota dos palestinos árabes ao lutar por esse objetivo, e o resultante problema dos refugiados, é um momento de definição para os palestinos. Mas o que por vezes não é registrado, nessa narrativa, é que, embora praticamente todos os setores da sociedade árabe palestina rejeitaram o plano da ONU, os palestinos foram incapazes de articular instituições políticas coerentes e um comando militar unificado com os quais confrontassem a comunidade judaica, muito menor. Em contraste, a sitiada comunidade judaica, sob o comando de David Ben-Gurion e a força de autodefesa judaica (Hagannah) conseguiu mobilizar, por intermédio de suas instituições democráticas e com dissenção apenas marginal, os recursos necessários para uma campanha militar bem-sucedida.

Com efeito, muitos líderes políticos palestinos refugiaram-se em Beirute ou no Cairo após a irrupção da violência. O clã Husseini estabeleceu sua milícia na área de Jerusalém. Nas proximidades de Tel Aviv, na vizinha Jaffa, uma milícia concorrente, sob o comando de Hassan Salameh, assumiu o controle. No norte do país, uma milícia baseada na Síria, sob o comando de Fawzi al-Kaukji, atacou vilarejos judaicos. Os árabes de Haifa, mais moderados, tentaram, sem muito sucesso, ficar fora do entrevero.

A desunião tornou a derrota árabe quase inevitável. Além disso, as feridas do que foi praticamente uma guerra civil na década de 30 ainda não cicatrizaram: desconfiança mútua e lembranças de massacres intestinos viciaram a cooperação e a confiança.

O mais recente malogro aconteceu quando os Acordos de Oslo (1993), entre Israel e a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) configuraram a Autoridade Palestina autônoma sob Yasser Arafat. Em vez de criar a infra-estrutura do futuro Estado palestino, para que diferentes funções fossem gradualmente transferidas do exército israelense para a Autoridade Palestina, Arafat criou um Estado mukhabarat (centrado em um serviço de segurança), como no Egito, Síria e (até a queda de Saddam Hussein) no Iraque.

Arafat e seus partidários do Fatah criaram quase uma dúzia de serviços de segurança concorrentes - muitas vezes indistinguíveis das milícias baseadas em clãs - que consumiam mais de 60% do orçamento da Autoridade Palestina, às custas da educação, moradia, bem-estar social e reabilitação de refugiados. Nesse vácuo irrompeu o Hamas, com sua rede de escolas, serviços de proteção social, centros comunitários e organizações de apoio. A apropriação de Gaza pelo Hamas foi apenas o mais recente passo nesse desdobramento.

É fácil atribuir a culpa pela atual crise palestina a indivíduos - seja Arafat ou Abbas. É ainda mais fácil culpar a ocupação pelos israelenses ou as políticas americanas. Não há dúvida de que muitos são culpados. Mas todos os movimentos nacionais - tanto dos gregos como dos poloneses, dos judeus assim como o dos curdos - começam na adversidade.

Os palestinos têm uma história difícil - um histórico de desunião e conflito intestino mortífero - a ser superada. Eles agora estão, mais uma vez, numa encruzilhada, e se conseguirão transcender sua herança trágica é algo que depende deles. Ninguém poderá ajudá-los, se eles não puderem criar uma liderança coerente, consensual e razoavelmente unida - algo a que o próprio Abbas se refere como "uma lei, uma autoridade, uma arma".

Shlomo Avineri é professor de ciência política na Universidade Hebraica de Jerusalém e ex-diretor-geral do Ministério de Relações Exteriores israelense.