Título: OMC sugere que Brasil baixe tarifas para 13%
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 18/07/2007, Especial, p. A12

O Brasil, os Estados Unidos e os outros principais países-chave na Rodada Doha foram colocados sob a pressão pelos mediadores das negociações agrícola e industrial para aceitarem fortes cortes de tarifas e de subsídios na intenção de fechar a negociação. Pela proposta apresentada ontem, na área industrial, o Brasil precisa baixar suas tarifas de importação de produtos industriais e de consumo dos atuais 29,8% na média (registrados na Organização Mundial do Comércio-OMC) para cerca de 13% - percentual próximo da média tarifária realmente aplicada pelo país.

Por sua vez, os EUA devem aceitar limitar seus subsídios domésticos que mais distorcem o comércio internacional a algo entre US$ 13 bilhões e US$ 16,4 bilhões, valores além do que Washington sempre disse aceitar. Os EUA têm atualmente autorização para conceder até US$ 48,2 bilhões de subsídios, mas a média do que foi realmente dado ficou em US$ 15,4 bilhões no período 1995-2005.

O vínculo entre os textos agrícola e industrial é claro: se o Brasil quiser tentar limitar os subsídios americanos a US$ 13 bilhões, precisa aceitar corte de 62% nas tarifas consolidadas (coeficiente 19). Se quiser cortar 57%, que é coeficiente 23, então os subsídios americanos ficariam em US$ 16,4 bilhões. A questão é se americanos também aceitarão essa barganha. Essas cifras estão próximas do que era negociado em Postdam, e resultou em fiasco.

"Chega um momento, e esse momento é agora, que é tempo para atacar os problemas seriamente, e nenhuma outra opção é possível", afirmou Crawford Falconer, o mediador agrícola. Ele e seu colega Don Stephenson, na indústria, consideram que seus textos de compromisso procuram "equilibrar" as duas negociações. O sentimento era de que, após o fiasco de Potsdam, só restou mesmo "matar a negociação ou melhorar as concessões".

O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, apoiou os dois textos e conclamou os países a reduzir as divergências que, segundo ele, são menores do que o que une as nações.

As duas propostas mexem com todo mundo. "Apertam o calo de um lado e sopram de outro", definiu um negociador. A questão é o custo político interno que cada um aceita pagar ou não. "O documento tira os negociadores de suas zonas de conforto", disse Falconer.

Os textos serão examinados pelos 150 países membros em reuniões negociadoras a partir da semana que vem. As primeiras reações foram moderadas. Sem surpresa, negociadores de emergentes, incluindo Brasil e Argentina, apontaram aspectos positivos no texto agrícola, mas reclamaram que o texto industrial "foi mais duro conosco". Por sua vez, a confederação das indústrias americanas (NFTC) declarou-se "decepcionada" com o que chama de corte pequeno de tarifas do Brasil, Índia e outros. A União Européia (UE) acha que há espaço "para continuar" a negociação.

O texto de compromisso sobre produtos agrícolas representa duas a três vezes o resultado da Rodada Uruguai, a última grande negociação global. A pressão maior é sobre os EUA, que resistem a limitar seus subsídios domésticos que mais distorcem o comércio internacional. No caso da UE, o atual volume de subsídios de 110 bilhões de euros cairia para algo entre 16 bilhões de euros a 27 bilhões de euros. Essas reduções visam harmonizar o nível de subvenções entre americanos e europeus, reduzindo o volume entre eles.

Além disso, o texto propõe reduzir ainda mais os subsídios mais distorcivos, a "caixa amarela", em 60% a 70%. Também introduz limite nos subsídios da "caixa azul", menos distorcivos, a 2,5% do valor da produção - hoje, são 5%.

Pela primeira vez, ficaria limitada também a subvenção por produto, como quer o Brasil, afim de evitar a concentração de ajuda em um única commodity. Esse é um dos pontos que favorecem o Brasil. Nos EUA, a ajuda a cinco produtos - milho, soja, arroz, trigo e algodão - recebeu 93% de todas as subvenções nos últimos anos.

Outra questão importante para o Brasil é a designação de "produtos sensíveis". No caso da UE, isso pode reduzir o acesso das exportações brasileiras. O número dos sensíveis ficaria entre 4% e 6% e os países em desenvolvimento poderiam designar até um terço a mais. Mas essa flexibilidade precisa ser compensada com as cotas tarifárias para carnes, por exemplo, devendo ser expandidas entre 3% e 6% do consumo doméstico.

Já um acordo sobre regras para crédito a exportação era examinado atentamente pelos brasileiros. A primeira avaliação é de que na verdade os americanos vão ter ainda mais flexibilidade para financiar suas exportações agrícolas. Em contrapartida, o mediador acha que só dá para falar de "produtos especiais" para países em desenvolvimento depois da negociação já avançada. Tampouco há convergência sobre o mecanismo de salvaguarda especial, pelo qual China, Índia e outros querem poder frear importações agrícolas.

O objetivo é de um equilíbrio político entre as concessões agrícola e industrial. Isso implica um pacote "ambicioso" em produtos industriais, que representam mais de 90% do comércio global. Cada país precisa "contribuir" segundo sua capacidade. Pela primeira vez, os cortes tarifários nos desenvolvidos serão amplos, na base de linha por linha e sem possibilidade de isenção de produto. Alíquotas para têxteis, confecções e calçados, de interesse do Brasil, não podem ficar acima de 10%.

Por sua vez, de 80% a 90% das tarifas consolidadas dos países em desenvolvimento ficariam abaixo de 15%. O texto também tenta garantir que os 27 países, incluindo o Brasil, sujeitos a cortes tarifários, terão flexibilidade para a maioria de seus setores industriais sensíveis.