Título: A nova Lei nº 11.495 e a ação rescisória
Autor: Pereira, Danilo Pieri
Fonte: Valor Econômico, 18/07/2007, Legislação & Tributos, p. E2

A Lei nº 11.495, de 2007, que entra em vigor no próximo dia 25 de setembro, cria um obstáculo significativo à rescisão de decisões judiciais transitadas em julgado, isto é, aquelas que não admitem mais recursos. Isto porque a nova lei alterou a redação do artigo 836 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de forma a incluir a exigência do depósito prévio de 20% do valor em debate no ato de ajuizamento de uma ação rescisória (ação que pretende desconstituir uma decisão processual quando proferida em situações manifestamente nulas ou ilegais), sob pena de inadmissão da petição inicial.

Na prática significa dizer que, se uma empresa for surpreendida com um bloqueio de conta bancária no valor de, digamos, R$ 1 milhão, e mais tarde descobrir que, à sua revelia, correu uma ação trabalhista da qual não tomou conhecimento - por ter sido, por exemplo, notificada de sua existência no endereço errado, e neste ponto não couber mais qualquer recurso -, somente poderá buscar a nulidade do processo judicial, discutindo a irregularidade da citação, se depositar mais R$ 200 mil em juízo (20% do valor em debate), cuja destinação e possibilidade de restituição não é clara nos termos da legislação.

Segundo o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, na exposição de motivos do projeto desta nova regra, a medida visa inibir o ajuizamento de ações rescisórias no Poder Judiciário, que muitas vezes são utilizadas pelo cidadão como "mais uma modalidade de recurso". Para o então ministro da Justiça, "a parte às vezes opta por não interpôr o recurso cabível, apenas para lançar mão da ação rescisória, que é mais rapidamente julgada". Menciona-se ainda que a nova alteração visa adequar o procedimento trabalhista ao que é prática na Justiça comum, onde é exigido o depósito prévio de 5% do valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente.

Nota-se, então, que há uma diferença substancial entre ambos os dispositivos: enquanto o depósito no processo do trabalho é de 20% e sem qualquer finalidade específica, no processo comum o valor é de 5% e tem caráter punitivo, apenas para os casos em que a medida se mostra, afinal, manifestamente improcedente ou inadmissível. Como agora há regra específica na CLT, não se pode cogitar em aplicar a norma do processo civil.

Cabe ressalvar que a nova lei abre exceção aos que "provem miserabilidade econômica", muito embora não esclareça o que se entende pelo termo "miserabilidade econômica" e nem como se faz a prova respectiva. Igualmente, não se sabe se a empresa também pode obter a isenção, por exemplo, em um caso de falência ou comprometimento da folha de pagamento, ou se a benevolência seria apenas quando a ação rescisória é proposta pelo trabalhador sem condições de sustento.

-------------------------------------------------------------------------------- A CLT, com mais de 60 anos de existência, não se harmoniza há muito tempo à realidade social e econômica do país --------------------------------------------------------------------------------

Ademais, como a Lei nº 11.495 não traz maiores detalhes, não se sabe se os 20% serão recolhidos ao Tesouro Nacional a título de custas ou se basta o depósito judicial. Feito o depósito, não se sabe ainda se este valor será ressarcido ao depositante após o encerramento da ação, independentemente do resultado final, ou qual será, afinal, o destino da verba. Tais dúvidas já começam a tirar o sono de advogados e empresas.

Em relação à demora no julgamento dos processos, vale lembrar que em média o prazo das partes é de cinco, oito ou dez dias e, na maioria das vezes, não comporta maiores elastecimentos. Logo, a demora no julgamento está mais ligada ao congestionamento processual e ao acúmulo de serviço de juízes e servidores do que ao intuito protelatório das partes.

Ainda no que diz respeito ao congestionamento de processos nas cortes trabalhistas, é preciso lembrar que grande parte deles envolve o próprio poder público, tendo como réus os entes da administração. Nesses casos, vigora até hoje a chamada remessa de ofício, que é a obrigatoriedade dos tribunais analisarem e ratificarem todas as sentenças emanadas da varas do trabalho, independentemente de recurso voluntário por parte da entidade administrativa que figura no litígio. Nestes casos, aliás, o poder público está isento de todo e qualquer depósito, custas ou emolumentos.

É indiscutível que o país necessita de uma urgente e profunda reforma trabalhista e que a CLT, com mais de 60 anos de existência, não se harmoniza há muito tempo à realidade social e econômica do país. Quanto ao excesso de ações no Poder Judiciário, muitos litígios que poderiam ser prevenidos mediante transações extrajudiciais, comissões de conciliação e mesmo em juízos arbitrais acabam sendo levados ao crivo do Estado, pois o sistema vigente ainda não reconhece a validade da maioria destes instrumentos, utilizados com sucesso nos países desenvolvidos.

Enquanto isto não acontece, os atores sociais se vêem diante de reformas esparsas, pontuais e, no mais das vezes, pouco eficazes para a redução de litígios e melhora das condições de trabalho e desenvolvimento econômico. Tais medidas, na verdade, apenas prejudicam aqueles que realmente necessitam recorrer à Justiça do Trabalho para ver valer seus direitos, o que não tem se demonstrado útil nem para o trabalhador, nem para o empregador e nem para o crescimento do país.

Danilo Pieri Pereira é advogado do setor de contencioso trabalhista do escritório Demarest e Almeida Advogados

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