Título: São quatro anos e inúmeros desafios
Autor: Taffner, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 01/01/2011, Cidades, p. 19

Exatos 400 dias após o início da crise política detonada pela Operação Caixa de Pandora, Agnelo Queiroz assume o Governo do Distrito Federal com a missão de fazer o Estado voltar a funcionar e de resgatar a autoestima da população de Brasília

O mato alto e o lixo acumulado que tomaram conta do Distrito Federal no último mês transmitem uma sensação de descaso com a capital da República. E se o novo governador, Agnelo Queiroz (PT), assume hoje com uma herança maldita do ponto de vista administrativo, também precisará de força para restaurar a situação caótica deixada pela maior crise política da história local. Na avalição do próprio petista, o DF é um paciente em estado grave, com uma doença sistêmica, mas que é passível de cura. ¿Por se tratar de um paciente jovem, tem potencial de recuperação. Será preciso ministrar um tratamento de choque, com vigilância total, aplicar medidas emergenciais para que a cidade saia da perturbação e aplicar providências estruturais para evitar o retorno da enfermidade inicial¿, disse o médico Agnelo em entrevista exclusiva ao Correio (leia a íntegra nas páginas 24 e 25).

Há exatos 400 dias, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público apresentaram ao DF e a todo o país cenas de um esquema de corrupção que teria contaminado diversas instituições locais. O nome da operação realizada em 27 de novembro de 2009 não podia ser outro: Caixa de Pandora. Aberta, ela passou a revelar cenas impressionantes. A primeira seria do próprio governador da época, José Roberto Arruda (sem partido), recebendo um maço de dinheiro de um corrupto confesso, Durval Barbosa. As outras continuaram a escandalizar, com notas dentro de bolsas, meias e cuecas. Assim como no mito grego, as maldades não pararam de sair da Caixa de Pandora. A todo momento surgem novos vídeos, como de promotores de Justiça conversando sobre relações indecorosas com governantes.

As suspeitas de mau uso dos recursos públicos continuaram até o apagar das luzes de 2010. Na festa de fim de ano patrocinada pelo GDF, surgiram vários indícios de superfaturamento. Uma garrafa de 300 ml de água sem gás foi orçada em R$ 4,89, cinco vezes mais do que custa na prateleira de um supermercado. Um lanche simples ¿ pão com queijo e presunto, uma fruta e um refrigerante ¿ custaria R$ 21,48. O valor total gasto para o bota-fora de 2010, cerca de R$ 6,8 milhões, poderia suprir, por exemplo, a deficiência local com unidade de terapia intensiva (UTI). Seria possível construir 2,5 mil leitos e acabar com a briga entre o sistema público de Saúde e os hospitais particulares, que tratam doentes mais carentes da cidade com descaso. Na semana do Natal, 17 famílias precisaram recorrer ao Judiciário para garantir a internação de seus parentes.

No Legislativo, a situação não foi muito diferente. Apesar de ter estrelado as principais denúncias nesses quatro anos, a Câmara Legislativa (CLDF) concedeu um presente aos próprios membros na última sessão da legislatura. No apagar das luzes, quando ninguém mais sabia o que acontecia dentro da sede que custou aos cofres públicos três vezes mais do previsto ¿ com o valor final de R$ 120 milhões ¿, os deputados distritais aprovaram o aumento de 61% nos próprios salários. Cada um dos 24 eleitos que tomam posse hoje receberá, mensalmente, remuneração de R$ 20,5 mil. A benesse surgiu no fim do ano menos produtivo da Casa. Apenas 137 projetos foram votados, sendo 87% de autoria do Executivo. Para os custeio dessa produção, o orçamento de 2010 da CLDF foi de R$ 337,43 milhões.

Herança O Distrito Federal recebe hoje o 35º governante da história local. Nos últimos 12 meses, Agnelo Queiroz será o quarto homem a comandar o Palácio do Buriti. Além de Arruda, que foi preso e cassado por infidelidade partidária, sentaram na cadeira mais alta do Executivo local Paulo Octávio (DEM), o vice que renunciou por conta das pressões da época; o deputado Wilson Lima (PR), presidente da Câmara Legislativa, e o governador-tampão Rogério Rosso (PMDB). O maior mérito do peemedebista foi de impedir uma vergonha maior para a capital: o da intervenção. Entretanto, o cenário que ele deixa para o sucessor é desolador. ¿Tentamos fazer o melhor¿, disse Rosso em entrevista ao Correio publicada na quinta-feira.

Não foi o bastante. A Saúde na capital da República é caótica, com atendimento precário, falta de remédios e de profissionais. O transporte público padece com ônibus velhos e sucateados, mesmo com o preço alto das passagens. A população se queixa dos veículos superlotados, das condições, do tempo de espera e da falta de linhas. Quem tem condições e arrisca sair de casa de carro enfrenta a falta de vagas nos estacionamentos públicos, além dos congestionamentos. Até a qualidade das novas vias deixa a desejar. Na Estrada Parque Taguatinga (EPTG), por exemplo, depois de uma ampla obra, faltam sinalizações e passagens para pedestres. Os riscos de acidentes são constantes (leia nas páginas 20 a 22 um diagnóstico sobre os principais problemas do DF).

Agenda A lista de desafios para Agnelo parece não ter fim. Segurança pública e educação são outros pontos preocupantes. Um dos principais algozes é o crack. Assim como nos grandes centros urbanos, a droga barata e avassaladora tem entrado de forma crescente no DF. Diariamente, são noticiados diversos crimes impulsionados pelo uso do entorpecente. Balanço divulgado pela Polícia Civil, neste mês, mostrou que a média de apreensão mensal da droga, de janeiro a julho deste ano, foi quase três vezes maior do que a registrada no mesmo período em 2009.

As demandas para o novo governo são inúmeras e urgentes. Para resolvê-las, será preciso olhar com mais atenção para a região do Entorno. São 1,15 milhão de pessoas vivendo nas 22 cidades vizinhas. O crescimento populacional nos últimos 10 anos na região, registrado pelo IBGE, foi de 24,9% ¿ o dobro da média nacional. As necessidades desse contigente desaguam na capital federal e pressionam os serviços públicos locais, além de aumentar o abismo social existente. A desigualdade em Brasília é uma das maiores do país e um dos nós a serem desatados. Para tanto, Agnelo e sua equipe precisarão de empenho e responsabilidade com a máquina pública. Esses são elementos, que somados à transparência e à ética, poderão resgatar a autoestima do povo brasiliense.