Título: Governadores reagem a piso nacional
Autor: Agostine, Cristiane e Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2007, Política, p. A12

Com anúncio oficial previsto para o início de agosto, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), o PAC da Segurança, teve receptividade desigual nos Estados. Seu item mais polêmico é a criação de um piso nacional salarial para os policiais. Para os titulares da pasta de Segurança nos Estados, o reajuste do piso salarial dos policiais, para um mínimo previsto em R$ 1,6 mil, poderá levar a um "efeito cascata": aqueles funcionários que ocupam cargos superiores também pressionarão por um aumento e isso geraria sérios problemas financeiros na folha de pagamentos.

Os secretários estaduais reclamam da falta de clareza sobre o reajuste do piso salarial de policiais civis, militares e bombeiros. A proposta do Planalto é bancar a diferença no início, mas ela seria gradativamente absorvida pelos Estados nos anos seguintes. A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), afirma que a proposta do governo federal de criar um piso salarial nacional é uma "intervenção" que acabará recaindo sobre o caixa dos Estados. "Não há Estado hoje em condições de se comprometer com isto, porque praticamente todos têm suas políticas de carreiras e pisos estabelecidos segundo as condições financeiras regionais", diz.

O salário inicial de um soldado da Brigada Militar (a PM gaúcha), que tem um efetivo de 22,5 mil pessoas, é de R$ 783,43, menos da metade dos R$ 1.624 propostos pelo governo federal. Na Polícia Civil, com 5,3 mil servidores no total, o piso de inspetores e escrivães é de R$ 1.463,49.

Segundo Yeda, a medida provocaria um "efeito cascata" na Brigada Militar. Caso contrário, soldados, cabos e sargentos passariam a receber o mesmo salário, o que é impraticável em função das regras hierárquicas e de progressão de carreira dos servidores. O Estado não tem um cálculo do tamanho do impacto da proposta sobre a folha da Segurança Pública, até porque ela inclui no piso todas as vantagens recebidas pelos policiais, explica. O secretário de Segurança de Sergipe, Kercio Pinto Silva, demonstra a mesma indefinição. "Dentro dessa progressão, vai ter que pegar todo mundo, do soldado ao coronel", diz.

Para o titular da pasta de Segurança do Piauí, Robert Rios Magalhães, o aumento do piso incentivará os servidores, mas se não for acompanhado de aumento nas demais faixas hierárquicas, poderá gerar um constrangimento. "O soldado vai ter um salário próximo ao tenente? Não pode! É preciso que o salário respeite a ordem hierárquica", diz. No Piauí, o piso de um policial militar é de R$ 1 mil e o secretário alega que o Estado não terá condições de elevá-lo para R$ 1,6 mil, ainda que gradualmente. "Os governos têm uma debilidade enorme para arcar com essa despesa. Se fosse para dar contrapartida, já teriam concedido o aumento."

Em apenas 6 dos 27 Estados o salário dos policiais militares que estão no começo de carreira é igual ou superior ao valor indicado pela União. São Paulo, com o maior efetivo de segurança do país (mais de 125 mil servidores), está abaixo dos R$ 1,6 mil, mesmo com o recente reajuste, R$ 1.240 para R$ 1432 para o policial em início de carreira. O governo paulista diz não ter nenhum estudo da União que orientasse o aumento gradual do piso. Para a secretaria, o pacote corresponde "apenas a idéias, não a um plano".

Com o piso nacional, o governo federal quer diminuir a desigualdade estadual do salário dos funcionários da segurança. A discrepância é enorme: um PM, por exemplo, ganha R$ 2,9 mil no Distrito Federal, mais de 3,5 vezes o salário de R$ 783 do mesmo servidor no Rio Grande do Sul.

Entre os secretários estaduais de Segurança, a proposta do Planalto é vista como uma forma de interferir na autonomia estadual. O secretário de Segurança da Paraíba, Eitel Santiago Pereira, argumenta que é função dos Estados definir as diretrizes da política de segurança, inclusive o salário a ser pago. "Os Estados são autônomos e o governo federal está forçando o aumento salarial. É proselitismo", diz. " Se a União acha que o policial ganha pouco, deveria mudar a distribuição dos recursos para os Estados. Fico preocupado com o peso que terá na folha de pagamento e no cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal", relata.

Com o menor salário do país para o policial militar, o governo do Rio Grande do Sul reforça a queixa. "O PAC da Segurança não pode conter isto (o piso nacional) como fator essencial porque legisla sobre os Estados", reforça Yeda. De acordo com a governadora gaúcha, a União pode ter a "melhor das intenções" ao propor o piso, mas ele só poderia ser implementado junto com uma reforma tributária que permita aos Estados analisar o que podem e o que não podem assumir. "Hoje a concentração das contribuições e dos impostos na mão do governo federal tem tirado o oxigênio dos Estados inclusive para fazer corretamente a avaliação de suas carreiras."

Os secretários devem reunir-se com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Justiça, Tarso Genro, para definir o reajuste salarial somente após o fim dos jogos Panamericanos, no Rio.

Apesar da divergência sobre o piso salarial nacional, os secretários estaduais elogiaram as propostas de reforçar a prevenção ao crime com ações sociais. Otimista com o pacote, a secretária de Segurança Cidadã do Maranhão, Eurídice Vidigal, diz que as medidas são positivas por tratarem "de forma sistêmica" o problema de violência. "Acredito que o programa fará na segurança o que o Plano Real fez na área econômica."

Umas das ações mais elogiadas pelos secretários é o acolhimento do jovem infrator em penitenciárias voltadas para jovens de até 24 anos. Para a presidente da Fundação Casa (antiga Febem) de São Paulo, Berenice Gianella, a separação desses jovens dos adultos pode aumentar as chances de recuperação. "É importante dar qualificação aos jovens e oferecer oportunidades. É preciso também dar atenção à família deles", diz. Berenice destaca que o governo precisa reforçar também as medidas de combate ao crime. Os dois delitos mais comuns dos jovens presos são roubo com porte de arma (mais de 50%) e tráfico de drogas. "É preciso dar atenção à família dos jovens como propõe o pacote, mas se o governo recolher as armas, combaterá o roubo à mão armada", analisa. A taxa de reincidência dos jovens é de 22%. Em uma pesquisa feita em 2002, 12% dos jovens com passagem pela Febem foram às penitenciárias.

Mesmo ao tecer elogios, os governos estaduais destacam que as ações não são inéditas e que muitos Estados desenvolvem iniciativas parecidas há alguns anos. A atuação na prevenção da criminalidade, por meio de ações sociais, foi destacada pelos governos de São Paulo e do Maranhão. No Acre, o secretário de Segurança, Antônio Monteiro Neto, destaca que o "Estado saiu à frente" ao igualar o salário do policial militar e civil e aumentá-lo de R$ 1,2 mil para R$ 1,692 mil.

O governo do Paraná, comandado por Roberto Requião (PMDB), fez questão de divulgar que o Pronasci "seguirá praticamente a mesma receita já implantada pelo governo do Paraná, desde 2003". Em nota publicada no site da administração, "todos os principais itens valorizados pelo Ministério da Justiça já são, dentro da realidade estadual, aplicados pelo governo". O piso salarial do Estado é de R$ 1,7 mil e em abril o governador apresentou um projeto para a construção da penitenciária especial para jovens entre 18 e 24 anos e um programa especial de habitação para os policiais, dois programas que também constam do Pronasci. "As contratações que agora o governo federal abre para as polícias Federal e Rodoviária Federal também são realidade no plano estadual, que apenas neste ano irá contratar mais 700 PMs e quase 600 profissionais para a Polícia Civil e Científica". (Colaborou Marli Lima, de Curitiba)