Título: O poder público e a ousadia de inovar
Autor: Wald, Arnoldo
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2007, Legislação &¨Tributos, p. E2

O recente projeto governamental que autoriza a criação de fundações estatais, que poderão contratar os seus empregados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), se revela da maior importância em três aspectos. É, em primeiro lugar, uma maneira de aprimorar o regime dos servidores do Estado, dando-lhe flexibilidade. É também uma forma de reduzir os custos do poder público, especialmente se, no futuro, parte dos atuais funcionários puder ser substituída por celetistas. Finalmente, é um ato pelo qual se renova o direito administrativo, não rompendo com as suas tradições, mas complementando as fórmulas clássicas de contratação dos funcionários com outras mais modernas, que se justificam em casos específicos.

O último aspecto deve ser enfatizado tanto por corresponder a uma necessidade premente da sociedade brasileira como também pelo fato de não se tratar de uma iniciativa isolada, mas de mais um passo para a modernização das instituições. Ao lado da consagração da arbitragem nos contratos de direito administrativo, que tem sido adotada em virtude de legislação recente, e das novas fórmulas de cobrança dos tributos, que estão sendo estudadas, a contratação, pelo poder público, de servidores pela CLT representará uma inovação importante dentro de um programa de desburocratização do Estado.

Na realidade, a inovação deixou de ser, no século XXI, uma simples faculdade para ser impor como um verdadeiro imperativo para garantir o desenvolvimento do país. Como já se afirmou, recentemente, "nunca antes a inovação prometeu tanto, para tantos, em tão pouco tempo". Por outro lado, a evolução do direito e a reformulação das instituições não devem ser feitas mediante rupturas. É, pois, preciso reformar sem destruir, mantendo os valores do passado e conciliando-os com as novas necessidades.

O gradualismo não deve, todavia, levar à estagnação pois, como já lembrava Edmund Burke, "o maior erro do governo consiste em não fazer nada quando descobre que só pode fazer pouco". Não há dúvida de que a tradição burocrática está ancorada na vida brasileira e que uma reação construtiva se faz necessário. Efetivamente, se, no passado, o tempo da economia conciliava-se com o da administração, não é mais o que acontece hoje. Com a globalização, o ritmo do poder público deve ser o do investidor. O legislador e o Poder Judiciário já se convenceram da necessidade de uma readaptação. A própria Constituição brasileira, em virtude da Emenda Constitucional nº 19, já determina que o Estado seja eficiente. Ora, a eficiência não se compatibiliza com a excessiva burocracia e exige que as decisões, tanto nos processos administrativos como judiciais, sejam tomadas em prazos razoáveis, assegurando-se a todos, ao cidadão e às empresas, "celeridade de sua tramitação", conforme estabelece a Emenda Constitucional nº 45, de 2004.

-------------------------------------------------------------------------------- A eficiência não se compatibiliza com a burocracia e exige que as decisões sejam tomadas em prazos razoáveis --------------------------------------------------------------------------------

Dois casos recentes, nos quais houve necessidade de interferência do presidente da República, evidenciam que a solução dos processos administrativos de licenciamento e autorizações, especialmente na área ambiental, não se realizam em prazos razoáveis. Acaba de ser publicada a decisão referente à construção das usinas do Rio Madeira, que levou dois anos, prazo que certamente não é razoável. Mas, pouco antes, o presidente da República lembrou, em entrevista, que acabava de se poder dar prosseguimento à hidrelétrica a ser construída em Belo Monte, pois tinha sido cassada uma liminar que perdurara por 20 anos. Por mais que se deva louvar a atuação do Poder Executivo para impedir a paralisação de processos, evidentemente que houve, nos mencionados casos, uma ausência de eficiência, uma falha de sistema, um excesso de burocracia.

São situações que merecem encontrar uma solução que independa da atuação a posteriori do poder público. Temos uma lei que se aplica ao processo administrativo, com prazos razoáveis que devem ser cumpridos. As decisões administrativas, como as judiciais, necessitam de prazos razoáveis. Se é difícil aplicar novas soluções para todos os casos, ou realizar, em um curto prazo, uma reforma em profundidade de administração, medidas emergências para determinados setores podem e devem ser tomadas, como se fez no projeto das contratações pela CLT. Sem prejuízo de manter e aperfeiçoar o sistema geral, cabe usar a chamada "destruição criativa" para afastar a aplicação de normas que, em certos setores, tornaram-se obsoletas, e até inconstitucionais, por violarem o princípio da eficiência. Regras especiais se justificam em relação à infra-estrutura, que já mereceu tratamento próprio no Plano de Aceleração de Crescimento (PAC).

Trata-se de elaborar normas especiais, que não violem o princípio da isonomia por decorrerem da análise econômica, exigindo soluções peculiares diante de situações especiais. Se a igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais, como já afirmava Rui Barbosa, é hora de complementar o PAC por normas que lhe possam dar a devida eficiência. É, pois, preciso termos um regime administrativo que se concilie com as necessidades do século XXI e que permita investir e realizar as obras e serviços nos prazos exigidos pela economia nacional e pelo desenvolvimento do país.

Arnoldo Wald é advogado, sócio do escritório Wald e Associados Advogados e professor catedrático de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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