Título: Proposta industrial enfraquecida provoca confrontos na OMC
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2007, Brasil, p. A3

A nova proposta para produtos industriais na Organização Mundial do Comércio (OMC) sairá já enfraquecida hoje na primeira avaliação a ser feita pelos 151 países membros. Ela será fortemente atacada pelo Brasil e a grande parte dos países em desenvolvimento. Mas Argentina e Venezuela planejam ir além. "Vamos bloquear, se necessário sozinhos, para não legitimar esse texto como base de negociação a partir de setembro", avisou o embaixador da Venezuela, Oscar Carvalho. "Não sei quem pode pensar que esse texto vai sobreviver", acrescentou o embaixador da Argentina, Alberto Dumont.

Ontem à noite, vários países se esforçavam para evitar que hoje alguns deles rejeitem completamente o texto industrial, criando mais uma crise. O embaixador na OMC, Clodoaldo Hugueney, acha que nem é necessário entrar na questão de ser base ou não, porque "ninguém vai negociar com mediador".

Num ambiente já tenso, a União Européia colocou combustível na fogueira, ao condicionar a aceitação do texto agrícola, que lhe impõe corte tarifário acima de 50%, se os emergentes aceitarem o texto da área industrial. O embaixador argentino, Alberto Dumont, voltou à reunião e retrucou diante dos 150 países membros: "Pode esperar sentado."

Ao mesmo tempo, o Nama-11 - grupo que reúne Brasil, Argentina, Índia, Egito, Indonésia e outros emergentes que menos aceitam corte tarifário - denunciará hoje com o G-90 (países da África, Caribe e Pacífico) que a proposta "prejulga o resultado da negociação industrial antes de os membros terem tido uma oportunidade para negociar, em forte contraste com o texto agrícola onde as posições dos países é substancialmente preservada, permitindo a eles margem importante para negociar".

Para os dois grupos, o texto industrial procura "reinterpretar" os mandatos da Rodada Doha, que prevê "reciprocidade menos que total" na redução de compromissos pelos países em desenvolvimento. E procura primeiro fazer os países em desenvolvimento pagarem na negociação industrial, com severos cortes tarifários, quando consideram que a agricultura está no centro da rodada.

A proposta que estará hoje no centro do bombardeio recebeu o apoio do diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, e prevê corte tarifário entre 55% a 62% para emergentes, tarifa média abaixo de 3% para as nações ricas, além de flexibilidades para outros países.

No total, 27 países em desenvolvimento terão suas tarifas submetidas a cortes tarifários na Rodada Doha. E o racha é profundo entre eles. De outro lado, o grupo formado por Chile, México, Colômbia e outros cinco países, que teve sua proposta aceita pelo mediador - e que está sendo bombardeada - procura se desmarcar dos industrializados, depois que a UE deixou claro que quer se apoiar no grupo para arrancar mais redução tarifária do Brasil e outros.

"Não estamos do lado de ninguém, o que queremos é resolver o problema, que a rodada saia porque senão o prejuízo será dos países em desenvolvimento", disse o embaixador do México, Fernando de Mateo. O grupo diz contar com apoio de outros países, como Malásia, Israel, Marrocos, Estados do Golfo e Equador. "Nós não, apenas recebemos convite para uma reunião", pulou fora um diplomata equatoriano.

Também o Uruguai negou ter participado da articulação da UE por cortes tarifários mais amplos. "Não sei do que vocês estão falando", disse o embaixador Guillermo Vallez, enquanto outro negociador garantia que um uruguaio estava na reunião com os europeus.

O embaixador venezuelano, Oscar Carvalho, convocou entrevista para avisar que seu país "não venderá barato nosso espaço de políticas públicas". Ilustrando o descompasso, a Venezuela denunciou que o texto propõe coeficiente 20, que resulta em corte de 60% nas tarifas industriais de emergentes. Mas que, de outro lado, o Canadá terá corte de apenas 43% e os Estados Unidos ainda menos, de 36,5%. "Nunca aceitaremos esse contraste na negociação. Aqui é para negociar espaço para políticas públicas, não fluxo de comércio."