Título: Lula apara arestas com Serra para tentar despolitizar apagão aéreo
Autor: Costa, Raymundo e Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2007, Política, p. A13

Além de assegurar melhores condições de segurança de vôo, as medidas tomadas e ainda em estudo no governo visam alterar o perfil do mercado da aviação civil, a médio e longo prazos. O BNDES deve criar linha de financiamento para baratear a compra de aviões da Embraer. No plano político, segundo apurou o Valor, a intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é pedir uma reunião com o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), para discutir soluções conjuntas para a crise, depois que for escolhido o novo ministro da Defesa. A diretoria da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) vai ganhar prazo de 60 a 90 dias para adaptar-se às novas orientações de governo.

A semana passada foi a pior semana do segundo mandato, segundo confidenciou o presidente a um interlocutor. Mal refeito das vaias na abertura do PAN, na sexta-feira 13, com recomendação médica para a cirurgia de um terçol na pálpebra do olho direito, Lula foi abatido pela notícia do acidente com o avião da TAM. Sem notícias sobre o que provocara a tragédia, o Planalto se articulou como pôde. Só na manhã seguinte a reação começou a ganhar forma, na reunião da coordenação de governo.

Lula, os quatro ministros que trabalham no Planalto, mais Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento), além do secretário-particular Gilberto Carvalho, foram os gerentes da crise. Desde o primeiro momento ficou claro para o Planalto que era preciso "despolitizar" a tragédia. Também logo se formou a convicção de que as medidas - só anunciadas na sexta-feira - já deveriam ter sido tomadas após o acidente da Gol, em setembro do ano passado.

Mas há uma diferença, agora, que pode ser vital para o sucesso das iniciativas: devido à repetição e à extensão da tragédia, o governo ganha melhores condições políticas para enfrentar as resistências à intervenção que fez no setor. São esperadas fortes reações às mudanças definidas na semana passada das companhias aéreas, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e dos próprios usuários de aeroportos.

Entre as medidas discutidas, só as de caráter técnico foram anunciadas. O Planalto ainda não resolveu a equação para substituir o comando do setor aéreo, especialmente quem vai para o lugar do ministro Waldir Pires (Defesa). Ontem, o nome em alta era o do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Lula convidou o ex-ministro do Supremo Nelson Jobim, que alegou motivos particulares para não aceitar o cargo.

Já há algum tempo o presidente pensa em deslocar o chanceler Celso Amorim das Relações Exteriores para a Defesa. Desta vez não foi diferente. Mas o próprio Lula concluiu que não deve mudar de chanceler durante as negociações da rodada Doha.

As credenciais de Bernardo são recitadas pelos ministros palacianos: integra o núcleo decisório do governo, é um ministro forte, executivo eficiente, petista leal mas capaz de manter uma conversa crítica com Lula. Duas características seriam do agrado dos militares - o ministro sabe comandar e conhece as trilhas do Orçamento Geral da União. As verbas para equipar e manter as forças armadas são uma demanda permanente dos comandantes militares.

Outra vantagem é que seria mais fácil escolher um novo ministro para o Planejamento que para a Defesa. A acumulação dos dois cargos por Bernardo também é considerada. Resolvida a questão da Defesa, o passo seguinte será a mudança no comando da Infraero.

Com a casa arrumada, Lula quer procurar Serra. O presidente pretender tratar com o tucano das medidas para desafogar Congonhas e o projeto de um novo aeroporto. As iniciativas passam pela construção de uma nova pista e de um novo terminal em Cumbica e de um outro, mais modesto, em Viracopos. Na agenda, está prevista a questão do acesso aos aeroportos. A estrada que liga a Campinas, por exemplo, dispõe de área verde projetada para no futuro abrigar uma linha de trem.

Manifestações do vice-governador Alberto Goldman foram mal recebidas no Planalto. Mas a avaliação ontem era que ele agia descolado do governador. Sugestões feitas por Serra foram entendidas de início como oportunismo político, mas depois de digeridas passaram a ser consideradas boas para o futuro das conversas: o governador defendeu medidas adotadas pelo Planalto.

Sem um gabinete de crise, "o Conac é o Pedro Parente", segundo um auxiliar de Lula (a referência é ao ex-chefe da Casa Civil, no governo passado, que chefiou o gabinete de crise montado para tratar do apagão elétrico). É o Conselho da Aviação Civil que vai determinar as normas às quais o governo espera que se adapte a Anac, órgão hoje acusado de servir mais aos interesses das empresas que aos dos usuários. Se a agência, continuar refratária, o governo julga ter meios de intervir na agência, apesar do mandato fixo de seus integrantes. O presidente da autarquia, Milton Zuanazzi, é o único que fez chegar ao Planalto a disposição de pedir demissão, se assim o governo quiser.

A maior resistência esperada é da parte das empresas. Isso porque as mudanças previstas devem levar as companhias a alterar radicalmente o seu modelo de operação, principalmente, o que diz respeito à concentração de vôos em alguns alguns centros de redistribuição de passageiros.

Uma das conseqüências esperadas é a troca das grandes aeronaves, como o Airbus A320 acidentado, por aviões menores. Empresas que atuam na aviação regional tendem a crescer, segundo avaliação do Planalto. O governo vai encomendar ao BNDES um modelo de financiamento mais barato para a compra de aviões da Embraer no mercado interno - atualmente, praticamente toda a demanda da empresa vem do exterior.