Título: Governo precisa executar logo plano para setor aéreo
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Fonte: Valor Econômico, 25/07/2007, Opinião, p. A16

O desastre aéreo com o Airbus da TAM colocou uma pressão insuportável sobre todos os níveis do sistema aéreo nacional, que já dava sinais evidentes de esgotamento. O caos deverá ainda prevalecer por um bom tempo nos ares, mas poderá ser abreviado com a dose certa de autoridade, coordenação, planejamento e verbas - nada do que até agora existiu. Após mais de dez meses de bagunça e de elevação dos riscos do sistema - sistematicamente negadas pelas autoridades responsáveis e objeto de chacota de ministros - está na hora de o governo também mudar de rumo sobre a questão e agir rapidamente e com eficiência.

É temerário tomar como verdadeira, antes das complexas investigações que estão em curso, qualquer uma das causas presumíveis do desastre. O que existe até agora são conjecturas mais ou menos fundamentadas, mas nenhuma certeza. Da mesma forma, são demonstrações de falta de espírito público e mesquinhez do mais alto grau concentrar as atenções, nos primeiros instantes após uma tragédia dessas proporções, no cálculo sobre possíveis proveitos políticos que a oposição poderia tirar do acidente. É nos momentos de crise que se conhecem os estadistas e há carência deles em Brasília.

Enquanto se apuram as responsabilidades sobre o desastre, o governo precisa agir. O Estado impera no setor aéreo e é dele a incumbência de pôr um fim à fuzarca nos aeroportos. Ele tem contra si o longo passado de ausência de investimentos na infra-estrutura aeroportuária, que atravessou vários governos, e o descrédito, que precisa vencer, de sua inaptidão ao longo de tumultuados e trágicos 10 meses. Foi um precioso tempo perdido. Boa parte das decisões anunciadas pelo presidente da República na sexta-feira poderiam ter sido tomadas desde 2003, ano da última reunião do Conselho da Aviação Civil, que agora está sendo ressuscitado e reforçado. Mesmo para executar o que agora parece ser óbvio - desanuviar Congonhas, redesenhar a malha aérea -, é preciso comando e determinação. Será difícil levar a tarefa vital à frente com a mesma cadeia burocrática que, por incompetência ou outros motivos, foi incapaz de diagnosticar um problema, identificar sua eclosão e providenciar respostas.

Está claro que o ministro da Defesa falhou na sua missão de comandar um sistema em que seus componentes mal obedecem, quando se falam. Uma das poucas manifestações de unidade das autoridades aéreas se deu na lamentável cerimônia de condecoração, por "destacados serviços prestados à Aeronáutica", da diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) pelo ministro Juniti Saito, na sexta-feira, três dias após o maior desastre da aviação nacional. É preciso restabelecer a unidade de comando.

A Anac fracassou desde o início e ela é o exemplo do que uma agência reguladora não deve ser - uma vítima do aparelhamento de órgãos técnicos por interesses políticos em detrimento do conhecimento e experiência. Um perfil da agência (Valor , 23 de julho) indica que, com exceção do representante militar, Jorge Brito Velozo, boa parte dos diretores pode entender tanto de aviação como o mais comum dos passageiros. O presidente, Milton Zuanazzi, é sociólogo, foi secretário de Políticas para o Turismo e tinha como madrinha a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Denise Abreu, diretora, é bacharel em direito e indicada por José Dirceu. Outro diretor, Leur Lomanto, é ex-deputado federal pelo PMDB e bacharel em direito. Josef Barat é doutor em economia e foi presidente da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, além de consultor da TAM. Nascida em 2006, já com a deterioração do sistema aéreo em curso, a Anac tinha uma difícil tarefa pela frente mesmo se fosse composta por técnicos de reconhecida experiência no setor. Com neófitos, a missão tornou-se impossível.

Além de apurar as responsabilidades pelo acidente, é urgente reduzir as chances de novos ocorrerem. O descongestionamento de Congonhas é um imperativo, assim como a reformulação da malha aeroviária e os investimentos na infra-estrutura. Após duas tragédias aéreas, é agora da responsabilidade do presidente da República escolher as melhores pessoas para executar a missão e as melhores políticas para dar rapidamente um horizonte seguro ao setor.