Título: Empresas "caçam" executivos para estruturar área tributária
Autor: Giardino, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2007, EU & Investimentos, p. D6

A complexidade do sistema tributário no Brasil e o maior nível de informatização no processo de cobrança de impostos, que apertou o cerco às empresas no último ano, têm levado as companhias a criarem departamentos próprios de tributos. Conseqüentemente, a procura por profissionais seniores dessa área aumentou bastante de janeiro para cá e promete crescer ainda mais. Em geral, eles são caçados dentro das firmas de auditoria e nos escritórios de advocacia, ocupam cargos de gerente ou de diretor e ganham salários entre R$ 8 mil e R$ 35 mil. Uma remuneração que já se aproxima da de executivos do setor financeiro.

Só a Michael Page, consultoria especializada no recrutamento para média gerência, colocou 30 profissionais para funções nessa área em 2006 e, no primeiro semestre do ano, afirma ter ultrapassado a marca. Sua principal concorrente no país, a Hays, registra uma média de três contratações por mês. A demanda é tão grande que ambas decidiram criar divisões específicas para atender às necessidades das empresas, chamadas de "Tax". "Com o aquecimento do mercado, essa unidade de negócios praticamente triplicou de tamanho e faturamento desde o início de 2007", revela Pedro Amaral Dinkhuysen, gerente da Michael Page para divisão de Tax.

O grande volume de operações fiscais em uma organização - há no país mais de 58 tributos - e as modificações constantes na legislação fiscal têm como reflexo a estruturação de áreas ligadas a tributação nas empresas, sobretudo nas de médio e grande porte, explica João Marcio Souza, diretor da Hays. "É aí que elas precisam de gente que desenvolva atividades operacionais e de planejamento tributário, para não serem autuadas", ressalta. No planejamento tributário, exige-se do profissional uma visão estratégica, aponta Souza, perfil de quem possui formação jurídica, em administração ou contabilidade. "Como é imprescindível conhecer questões sobre o passivo de uma companhia, é comum buscar executivos completos, com duas formações acadêmicas", afirma.

Normalmente, a preferência é por uma formação em finanças ou contabilidade e outra em direito. Também tornaram-se objeto de desejo das companhias profissionais que tenham bagagem tanto em escritórios de advocacia quanto em firmas de auditoria. É o caso de Marcelo Tseng, 33 anos, que, apesar de graduado apenas em direito pela PUC de São Paulo, conta com uma ampla experiência também em consultoria. Começou carreira há oito anos na PricewaterhouseCoopers, como trainee, seguiu para a Ernst & Young e pouco tempo depois mudou para o escritório Baker & McKenzie, representado no Brasil pela Trench, Rossi e Watanabe Advogados. No fim de 2006, recebeu o convite de um headhunter para estruturar o departamento tributário fiscal da Siemens Enterprise Communication, empresa do grupo Siemens que acabara de ser criada.

Seus desafios mal começaram, mas Tseng reconhece que montar do zero uma área não foi uma tarefa nada fácil. "Acredito que minha bagagem definiu os passos certos a serem tomados", avalia. "Trabalhamos para evitar que alguns tipos de procedimentos deixem a empresa exposta a riscos fiscais desnecessários, além de sermos responsáveis por reduzir a carga tributária", conta. Na opinião dele, esse tipo de atuação exige uma sobreposição de assuntos que o profissional precisa dominar. "Ele deve lidar com aspectos financeiros, jurídicos, contábeis e sistemas de informática". Sob sua responsabilidade, Tseng tem uma equipe formada por 23 pessoas.

Há dois anos e meio na AES Eletropaulo, Marcelo Antonio de Jesus, 37 anos, chegou para comandar a diretoria de planejamento tributário da concessionária de energia. Também tinha a missão de desenvolver a área, que até então não existia como uma divisão independente. Ao contrário de Tseng, ele já acumulava experiência em empresa. Antes de ir para a AES, ficou por três anos na Unilever, ocupando o cargo de gerente de tributos. Mas de 1984 a 2001, construiu carreira na extinta Arthur Andersen.

"Grande parte dos profissionais seniores que comanda as áreas tributárias nas companhias iniciou a trajetória profissional em auditorias", observa. Jesus destaca que esse aquecimento do mercado deve-se à elevada carga tributária brasileira. "O panorama mudou porque as empresas passaram a nos ver como aliados, garantindo que problemas fiscais estejam fora de cogitação, bem como multas", afirma. Para o diretor da AES, embora o profissional de tributos seja bastante valorizado no momento, a demanda de gente com o perfil desejado é infinitamente maior do que a oferta. "Vejo, inclusive, um assédio grande por outras companhias que vão atrás dos mais seniores. E estes não são baratos".

Outra razão que explica esse movimento das companhias, principalmente as multinacionais, em criar áreas próprias de tributos é a geração de lucro, diz Dinkhuyse, da Michael Page. Ele cita uma companhia que, após estruturar seu departamento tributário, conseguiu economizar, logo no primeiro ano, US$ 80 milhões, pulando para uma redução de gastos com impostos da ordem de US$ 150 milhões no segundo. "Essa é uma área que deixou de ser considerada um custo para ser vista como geradora de lucro", ressalta.

Ou seja, o profissional de tributos se transformou em peça estratégica dentro das corporações. No passado, apenas os escritórios e firmas de auditoria valorizavam esse talento internamente. Nas companhias, esse papel, antes acumulado pelo diretor de finanças, começa a ser cuidado por alguém altamente especializado.