Título: OMC deve discutir nova proposta industrial a partir de setembro
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 26/07/2007, Brasil, p. A2

Uma nova proposta para reduzir tarifas industriais deverá surgir a partir de setembro na Rodada Doha, depois da polarização provocada pelo combalido texto do mediador Don Stephenson. A reação do grupo do Brasil, Argentina, Venezuela, Índia, África do Sul e outros seis emergentes, além de países do G-90, impede que o documento seja apresentado hoje como base para negociação, pelo que qualificam de desequilíbrio em relação ao texto agrícola.

Ao final de seis horas de manifestações de países, ontem, o embaixador brasileiro, Clodoaldo Hugueney, afirmou: "Não sobrou quase nada, vamos ter muitas correções e revisões." Logo depois, o embaixador da Venezuela, Oscar Carvalho, avisou ao diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, para ele ter cuidado com a linguagem que usará esta manhã na reunião com os 151 países membros, porque não é meramente um texto, mas a rodada que está em jogo.

Consciente do racha entre os países, Lamy deverá reduzir a dimensão do que agora chamará de "esboço" e que outros virão na medida em que as negociações ocorrerem. Para o Brasil, o texto não era aceitável porque dava uma reviravolta na lógica da negociação, cobrando primeiro cortes industriais dos emergentes, de forma o que o preço aumentava, para depois obterem concessões na área agrícola. Além disso, o país considera que paga mais se as tarifas dos Estados Unidos e da União Européia caírem de 3,9% em média para menos de 3%, mas as suas teriam de diminuir de 30% para menos de 12%.

O embaixador da Argentina, Alberto Dumont, enfatizou que os cortes propostos, entre 55% a 60%, são inaceitáveis - o que implicaria que outro texto deve ampliar a margem para as reduções serem negociadas. Em tom bem humorado, ele comentou que os EUA e a UE conseguem acabar com uma proposta em cinco minutos, mas que os emergentes precisam ativar sindicatos etc.

O que se viu ontem na OMC, primeiro, foram tentativas de acalmar os nervos para evitar o bloqueio da proposta e nova crise generalizada. A situação de desconforto pode ser resumida pela frase de um negociador brasileiro: "Não podemos aceitar, mas não podemos rejeitar."

Ao abrir o debate, o mediador Stephenson já deu a primeira recuada, insistindo que a proposta era dele, não era texto negociador e não tinha base jurídica - mais ou menos o que a Venezuela queria ouvir. Antecipando as críticas, ele avisou que tinha uma "ambulância" de sobreaviso esperando por ele. Ao final de seis horas, admitiu que seu texto tinha recebido o "sinal amarelo". Ao que o embaixador argentino Dumont retrucou: "Aconselho não atravessar a esquina."

A OMC se dividiu entre os que consideram o texto uma boa base para retomar as negociações e os que o consideram inaceitável. Mesmo entre os partidários da proposta, haviam críticas a determinados pontos. "Talvez haja mais apoio do que críticas, mas os defensivos articularam bem", resumiu um negociador.

Houve sobretudo novo confronto entre os emergentes que vão ter de cortar tarifas industriais pela Rodada Doha, se ela se concretizar. Dos 151 países, nove membros industrializados (os 27 países da UE contando como um) e 31 países em desenvolvimento sofrerão os cortes. O resto é "decorativo", na expressão de um negociador, com as exceções que estão previstas.

No grupo dos 31 em desenvolvimento, o racha cresce entre, de um lado países como Argentina, Brasil e África do Sul, que querem cortar pouco e, de outro o Chile, México, Costa Rica e Malásia, que querem mais abertura, na busca de maior expansão das exportações em todos os cantos.

O México considerou a proposta "um magnífico ponto de partida". A Costa Rica, pequeno país da América Central, foi ainda mais realista do que os dois elefantes do comércio global, os EUA e a UE. Os europeus fizeram reunião com alguns países e o relato de um europeu fala de "atitude pouco construtiva" dos latinos-americanos, com exceção da Costa Rica, que aceita cortes pelo coeficiente 18, que é ainda mais ambicioso do que propõe o mediador.

Malásia e Tailândia aceitam cortar pelo coeficiente 20, enquanto Suíça e Noruega, pelo lado dos ricos, recusam cortar abaixo do coeficiente 8 (quanto mais baixo o coeficiente, maior o corte tarifário). Para certos negociadores favoráveis a maior abertura, a Argentina e a África do Sul resistem por motivação ideológica. "Como se explica que a África do Sul tenha acordo comercial com a UE, com tarifa zero, e aqui faz essa resistência?", indagou um delegado.

Para outros negociadores, a articulação do Brasil com o G-90 (64 países da África, Caribe e Pacífico) para contestar o texto evitou que o país ficasse isolado. Alguns acreditam que o país era alvo de isolamento a partir do texto do mediador, que por sua vez acenava com mais flexibilidade para a África do Sul, enquanto a Índia pode cortar mais alíquotas. Entre os ricos, o Japão mostrou "compreensão" pela posição defensiva de países em desenvolvimento na área industrial. Mas também falou da necessidade de real acesso ao mercado.

O mediador Stephenson encerrou ontem a reunião dizendo que tinha se divertido nesse "glorioso dia" tanto quanto passando o dia inteiro no dentista.