Título: Dólar barato mantém inflação controlada
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 26/07/2007, Brasil, p. A3

A atividade econômica cresce com força e a elevação das cotações dos alimentos pressiona os índices de preços, mas a valorização do câmbio deve falar mais alto e manter a inflação sob controle nos próximos meses, bem abaixo do centro da meta deste ano, de 4,5%, avaliam analistas como o economista-chefe do Morgan Stanley para o Brasil, Marcelo Carvalho. Para ele, o dólar tem papel decisivo na determinação das expectativas de inflação, as quais, por sua vez, são o fator mais importante para definir o desempenho futuro dos índices de preços.

Um estudo de Carvalho estima que, se a moeda americana de fato se consolidar abaixo de R$ 1,90, a inflação projetada pelos analistas para os próximos 12 meses deve ficar mais próxima de 3% do que de 4%. Atualmente, o mercado estima que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 12 meses deverá ficar em 3,6%.

O dólar está em queda em julho, acumulando baixa de 3,27% neste mês. No ano, o recuo é de 12,68%. O impacto da contínua valorização do câmbio já se faz sentir sobre o atacado, como notam os economistas do Bradesco. Na segunda prévia de julho do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), as cotações industriais no atacado tiveram recuo de 0,17%, uma queda em relação à variação estável do mês anterior. Ainda que o repasse para o varejo tenda a ser menor num ambiente de maior crescimento, esse movimento deve chegar em alguma medida para o consumidor.

Para Carvalho, porém, o mais relevante é o papel do dólar sobre as expectativas de inflação. "No Brasil, há uma forte correlação entre movimentos na taxa de câmbio e as expectativas para os próximos 12 meses, com uma defasagem de cerca de dois meses", afirma Carvalho. A defasagem se explica pela necessidade de que o novo nível do dólar seja percebido como permanente.

"No Brasil, assim como no resto do mundo, as expectativas de inflação se mostraram o principal determinante da inflação efetiva", resume Carvalho, lembrando que outras variáveis também têm peso importante, como o ritmo de atividade econômica e a inércia inflacionária - o mecanismo pelo qual a inflação passada alimenta a inflação futura.

Um outro exercício feito por Carvalho mostra ainda que uma das medidas mais importantes da capacidade ociosa da economia, o hiato do produto, é hoje menos importante para determinar o comportamento da inflação. O estudo do Morgan Stanley indica que, de 2003 para cá, diminuiu a sensibilidade dos índices de preços a variações no hiato do produto, definido pelos economistas como a diferença entre o crescimento efetivamente registrado e o crescimento potencial. Para ele, esse fenômeno - que não é apenas brasileiro - se deve à credibilidade e a eficiência crescentes da política monetária. O efeito deflacionário produzido pela China na economia global, devido à ampliação da oferta de produtos manufaturados a preços baixos, também pode explicar em parte o menor peso do ritmo de atividade para definir o desempenho da inflação.

Para ajudar a manter a inflação sob controle, há também a firme expansão do investimento, nota Carvalho. A formação bruta de capital fixo (FCBF), que mede o que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos, avança a um ritmo bem superior ao do Produto Interno Bruto (PIB), indicando que está em curso um processo de ampliação da capacidade produtiva. Nesse cenário, o crescimento da demanda não traz riscos inflacionários significativos.

O economista Amir Khair também atribui um peso expressivo ao câmbio para definir a inflação, embora tenha uma visão bem diferente da de Carvalho, já que não atribui grande importância às expectativas. Segundo Khair, "cresce a percepção entre os analistas que a âncora cambial tem um efeito maior sobre a inflação do que a meta de inflação, que procura dar ao mercado a expectativa para reajustar preços e salários". Para ele, numa economia globalizada, "os agentes econômicos não formam seus preços. Esses são formados pela forte e crescente concorrência internacional."

Os analistas lembram ainda que o câmbio valorizado possibilita uma expansão robusta das importações. Isso tem permitido que parte do crescimento da demanda seja atendido pelas compras externas, que aumentaram 26% de janeiro até a terceira semana de julho, em relação ao mesmo período do ano passado. Nesse cenário, a economia pode crescer a um ritmo mais significativo, na casa de 4,5% a 5%, sem que isso provoque pressões inflacionárias indesejadas.

Nas últimas semanas, as expectativas de inflação para 2007 e para os próximos 12 meses subiram um pouco, influenciadas em grande parte pela alta inesperada dos preços dos alimentos. O IPCA de junho, por exemplo, ficou em 0,28%, acima das projeções iniciais de 0,1%. Carvalho acredita, porém, que a manutenção do dólar em níveis baixos deve reverter esse movimento nos próximos meses, fazendo as projeções voltarem a cair.

Os economistas do Bradesco projetam um IPCA de 3,5% neste ano, abaixo dos 3,7% estimados pelo mercado. Uma diferença fundamental é que eles apostam num câmbio de R$ 1,80 no fim do ano, abaixo do R$ 1,90 estimado pelo consenso das instituições ouvidas pelo Banco Central (BC). Carvalho projeta oficialmente um IPCA de 3,2%, mas avalia que o indicador pode ficar mais próximo de 3,5%, dado o resultado de junho. "De qualquer modo, ficará bem abaixo do centro da meta, de 4,5%."