Título: Na crise, tecnologia substitui avião
Autor: Manechini, Guilherme e Bispo, Tainã
Fonte: Valor Econômico, 26/07/2007, Empresas, p. B1

A preocupação com a situação do transporte aéreo no Brasil tem mudado a rotina de viagens das empresas e alavancado os serviços de tecnologia que permitem a comunicação à distância, como teleconferência e videoconferência. A redução de custos e tempo com viagens não é de hoje, mas certamente ganhou força no planejamento nos últimos meses.

Um exemplo emblemático é o da Datasul, especializada em software para gestão empresarial. Os executivos da companhia nunca haviam passado por uma situação parecida: na última terça-feira, um funcionário da empresa chegou a Joinville (SC), onde fica a sede da empresa, depois de uma viagem de várias horas, iniciada em São Paulo. À meia-noite, o mesmo funcionário pegou a estrada de volta. Na mala, carregava o contrato de aquisição da Soft Team. Foi a sexta empresa comprada pela Datasul no prazo de um ano, mas a primeira feita à distância. "O caos aéreo e as dificuldades climáticas impediram que fechássemos o acordo pessoalmente", diz Paulo Caputo, diretor de novos negócios. "Nesta semana, ninguém na empresa conseguiu viajar."

A Datasul tem usado todos os recursos de que dispõem, a exemplo da videoconferência, para driblar a situação, mas há limites, afirma Caputo. "A tecnologia é só um meio. Não dá para resolver tudo com ela." Hoje, por exemplo, são executivos do escritório de São Paulo que farão a comunicação oficial da compra aos funcionários da Soft Team. Por causa do apagão aéreo, não virá ninguém de Joinville. "Até a semana que vem, não há nem assentos de ônibus disponíveis", conta. O pior é que, na próxima semana, a empresa realizará em São Paulo, um de seus maiores eventos. Nas edições anteriores, cerca de 1 mil a 1,5 mil pessoas vindas de todo o país passaram diariamente pelo evento. Desta vez, será difícil prever qual será o total.

Wagner Fontenele, gerente de varejo da empresa de tecnologia D-Link no Brasil, também mudou sua rotina radicalmente. Acostumado a viajar semanalmente para várias cidades brasileiras visitando clientes da multinacional, o executivo riscou os vôos aéreos da agenda até a primeira ou segunda semana de agosto. A decisão também englobou seus funcionários. Ele afirma que a determinação teve início na semana passada quando alguns pilotos começaram a boicotar pousos em Congonhas.

Por enquanto, Fontenele e sua equipe estão usando alguns aparelhos para substituir a presença física, como celular, Skype, videoconferência e mensagens pela internet. "Estamos nos virando", diz. Mesmo quando retomar a rotina, uma determinação fica: não utilizar Congonhas até que a situação seja normalizada.

No caso dos fornecedores de equipamentos e serviços de conference call, vídeo e teleconferência, a crise aérea brasileira ocorre no mesmo momento em que a oferta de infra-estrutura de transmissão de dados em alta velocidade é ampliada. Desde o acidente com o avião da Gol, no ano passado, o número de teleconferências realizadas por prestadores de serviços como a Wittel e Conference Call do Brasil cresceram até 50%.

Segundo o gerente comercial da Wittel, Daniel Castaldelli, este aumento foi sentido, principalmente, nos clientes de menor porte. "São empresas que mal faziam uma conference por mês e hoje chegam a realizar uma por semana. As grandes corporações já incorporaram este tipo de serviço há mais tempo", diz.

Na Conference Call, o sócio da empresa, Christopher Potter, informa que a demanda por áudio e videoconferências teve acréscimo de 25% nos últimos seis meses. E acrescenta: "A diferença mesmo está no número de clientes potenciais que têm nos procurado". Por causa do custo e tempo de implantação, a prestadora de serviço aposta no aluguel de salas equipadas para videoconferências.

Para empresas de maior porte, no entanto, o custo dos equipamentos, cerca de US$ 6 mil, não é um obstáculo, pois a economia com as viagens acaba pagando o investimento. De acordo com o gerente de marketing da Sony, Carlos Nonatto, o retorno do investimento se dá em dois anos com a redução de despesas com viagens. "As vendas dos produtos ligados ao serviço de videoconferência está entre 15% e 20% acima do mesmo período do ano passado", diz.

Mais um caso de redução de custos e temor com os atrasos nas viagens aéreas é o da rede de lojas Multicoisas, que comercializa utensílios para casa. A empresa começou a diminuir o número de vôos desde o início do "apagão aéreo", em setembro, com o acidente da Gol. Desde então, a companhia, com 54 lojas em 12 Estados e cerca de 700 funcionários, já cortou em 40% o número de viagens. "Nosso plano é diminuir ainda entre 15% e 20% desse total", diz Luis Henrique Stockler, diretor de marketing e expansão da rede. Nos últimos três meses, a rede utilizou entre 80 e 90 passagens aéreas de ida e volta. Antes do "apagão", eram cerca de 120. No total, já foram investidos cerca de R$ 300 mil nesse processo.

A Ri Happy finalizou no mês passado a instalação de uma rede de TV interna. Foram investidos aproximadamente R$ 400 mil. Segundo Ricardo Sayon, diretor comercial da companhia, foi possível reduzir de 360 para 120 viagens aéreas com a interligação das 78 lojas da rede. "Tornou-se uma ótima ferramenta frente a esta crise aérea. Cerca de 60 gerentes nossos vinham mensalmente a São Paulo. Agora iremos realizar, no máximo, quatro reuniões presenciais durante o ano", diz.

Para Pierre Rodrigues, diretor de marketing e operações da Polycom, fornecedora de equipamentos de videoconferência, o crescimento "nos últimos dois anos, na América Latina foi, em média, de 33%, mas no Brasil chegou a 50%", afirma. A causa principal é a maior oferta de internet de banda larga no país. Mas, o executivo ressalta que a crise aérea apenas complementou um movimento iniciado anteriormente. A situação foi confirmada à reportagem do Valor também pelos fornecedores Avaya e Nortel.