Título: Bolsa permite consolidação no ensino
Autor: Valenti, Graziella e Campassi, Roberta
Fonte: Valor Econômico, 26/07/2007, Empresas, p. B3

João Carlos Di Genio voltou a estudar. O que tanto interessa ao fundador e presidente de um dos maiores grupos de educação do país, a rede universitária Unip e a de ensino fundamental e médio Objetivo, são os prospectos de oferta de ações da concorrência. Enquanto lê nos calhamaços os planos dos concorrentes, ele avalia qual rumo dar ao seu próprio negócio. Pioneiro na massificação de cursos universitários, Di Genio sabe bem da necessidade de agir frente às mudanças no ensino privado, especialmente, no superior.

O setor de educação é mais um estreante na bolsa brasileira, depois do ramo imobiliário, dos frigoríficos, do açúcar e etanol, dos shoppings e dos bancos médios. A elevada liquidez no cenário financeiro internacional deve promover, a exemplo do que vem fazendo com outros segmentos, uma revolução nas redes de ensino superior. O faturamento total do ensino privado é estimado em R$ 36 bilhões, sendo que mais de R$ 15 bilhões são arrecadados por faculdades e universidades. As empresas querem crescer para ter um filão maior desse mercado, cuja receita total também deve aumentar.

Os prospectos que chamam a atenção de Di Genio são os dos grupos Estácio e Kroton, da rede Pitágoras, do ministro Walfrido Mares Guia. Essas empresas seguem os passos da Anhangüera Educacional , ao planejar uma oferta inicial de ações. Estão todos em busca de capital, preparando-se para aquisições. Os recursos obtidos pelas três - perto de R$ 1,2 bilhão - devem colocar o setor, no qual os negócios estão aquecidos, em ebulição.

A movimentação ocorre, especialmente, em torno do ensino superior, no qual a iniciativa privada responde por quase 75% das vagas - relação inversa ao médio e fundamental. O setor está atraindo a atenção de investidores, o que inclui fundos de investimento em participações, aplicadores de bolsa e bancos.

Diante da movimentação dos concorrentes, Di Gênio avalia as possibilidades que conta ter em mãos. Segundo ele, estão em estudo uma troca de ações com um grupo estrangeiro, a venda de uma fatia para um fundo de participação ou a listagem de papéis na bolsa. "Esses bancos todos que fizeram as outras já me procuraram. Até antes delas." Ele também deixa claro seu apetite para aquisições. A predileção são faculdades de menor porte, que têm custo mais atrativo para compra.

As redes Unip e Estácio são as maiores no ensino superior nacional. A Unip tem faturamento anual da ordem de R$ 1 bilhão, cerca de 15% superior à receita de 2006 da rede carioca. Disputam emparelhadas a liderança em número de alunos : são 208 mil alunos sob a tutela de Di Genio e 177 mil no grupo do Rio.

Ryon Braga, presidente da Hoper, consultoria especializada em educação, conta que diversos grupos movimentam-se para comprar instituições de ensino, formar uma empresa de porte e levá-la à bolsa. "Hoje, há perto de dez grupos com essa orientação e acredito que pelo menos quatro devem abrir capital nos próximos dois anos."

A rede COC, tradicional no interior paulista, também se prepara para conversar com investidores. Sob a denominação de BRE - Brasil Educacional , atua desde o ensino fundamental e médio ao universitário e já ajustou seu estatuto às regras do nível 2 de governança da Bolsa de Valores de São Paulo. A constituição da BRE e seu estatuto foram aprovados pelos controladores, Chaim Zaher e Adriana Baptiston Cefali Zaher, em maio deste ano. Procurada, a empresa não comentou o assunto.

A Advent Internacional é uma das companhias de participação que busca oportunidades. O diretor, Patrice Etlin, contou ao Valor que possui variadas conversas em andamento para potenciais transações no setor. Porém, não quis revelar os negócios em prospecção. O atrativo do setor, segundo ele, é o "enorme potencial de consolidação". Embora seja tradicionalmente pulverizado em todo o mundo, no Brasil, essa característica é ainda mais acentuada.

Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que o setor fechou 2006 com 2.398 instituições de ensino superior, sendo 2.141 de capital privado. A consolidação, segundo Etlin, também é aperitivo em outros mercados, além do Brasil.

Já há os primeiros sinais de negócios internacionais nesse ramo e o Brasil é um mercado de interesse. A americana Laureate tem uma participação controladora na Anhembi-Morumbi desde dezembro de 2005 e, em junho, foi comprada por um grupo de investidores liderados pela Kohlberg Kravis Roberts (KKR) e o Citigroup Private Equity. A Whitney, também americana, comprou em janeiro 60% da Faculdade Jorge Amado, na Bahia, hoje com cerca de 10 mil alunos.

Braga, da Hoper, diz que não há mercado de ensino superior como o brasileiro. Em nenhum outro país existe uma visão desse segmento como negócio tão forte como aqui. Segundo ele, nos EUA, por exemplo, só 20% dos alunos estudam em instituições privadas. Etlin destaca também que boa parte das redes educacionais brasileiras carecem de profissionalização na gestão dos negócios, pois são, na maioria, de origem familiar.

Além da Advent International, Braga destaca outros fundos e instituições com interesse em educação. Entre elas estão Fidúcia, Gávea, Investidor Profissional e UBS Pactual - dois fundos dessa instituição compraram 30% da faculdade Fanor, de Fortaleza, em maio. O perfil do setor costuma atrair fundos de private equity, que preparam as companhias para o crescimento e as inserem numa cultura profissional e de governança na administração.

A formação de grupos maiores e mais capitalizados aumentará ainda mais a temperatura dos negócios nessa área. A Anhangüera, pioneira na capitalização do setor, está colocando lenha na fogueira. Formada pela junção de dezenas de pequenas faculdades, a companhia anunciou no final da semana passada a compra de mais uma, a Atlântico Sul. É a terceira aquisição desde a capitalização na bolsa, que rendeu R$ 360 milhões à empresa. No total, as aquisições já somam aproximadamente R$ 60 milhões.

Etlin, da Advent, afirma que o momento é propício para a consolidação, pois nos grandes centros metropolitanos há uma superoferta de vagas, o que vem dificultando a sobrevivência financeira de algumas unidades. Ao mesmo tempo, há espaço para crescimento orgânico em outras regiões, fora do eixo Rio-São Paulo. Di Genio, presente no ramo há 40 anos, explica que o ganho de escala do setor depende de tecnologia. Como a operação exige instalação física, a vantagem está na administração unificada e no treinamento à distância, com aplicação de método próprio. Portanto, o bom aproveitamento da escala depende também de investimento em tecnologia.