Título: Planos para o etanol ganham vulto em SC
Autor: Jurgenfeld, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 26/07/2007, Agronegócios, p. B11

Embora Santa Catarina não tenha tradição no cultivo de cana-de-açúcar, os planos para incentivar o plantio começam a ganhar vulto no Estado, a partir do interesse de empresários, produtores e prefeituras em desenvolver projetos para a produção de álcool combustível. Pequenos municípios como Rio do Sul, Seara e Jaborá já começam a incentivar o cultivo principalmente por meio de microdestilarias, enquanto empresários do norte do Estado querem criar uma empresa para investir em três usinas.

Almir José de Aguiar, ex-diretor da Fundição Tupy, Júlio de Abreu, arquiteto industrial, e Herley Reinert, administrador, estão buscando empresários, com o apoio da Manchester Corretora, para constituir a Energy Sul S/A, a empresa que pretende fazer investimentos em usinas. Estão em estudo localizações como Ilhota, Imbituba, Araranguá e Sombrio. Segundo Aguiar, dois grandes investidores, que atuam em outros segmentos, mostraram interesse, mas os nomes ainda são mantidos em sigilo. A Energy Sul terá como parâmetro estudos feitos desde 1998 pela Irmãos Aguiar Projetos Industriais, empresa do próprio Aguiar, na área de produção de cana-de-açúcar, refino e biocombustível.

Os estudos projetam que a primeira usina demandaria aporte de R$ 72 milhões e faturaria R$ 310 milhões por ano. Segundo Aguiar, há negociações para que essa primeira unidade seja em Ilhota, com a compra de uma instalação que pertence à Cosan. O maior grupo sucroalcooleiro do país mantinha uma refinaria em Santa Catarina, mas desistiu da operação em 2005 sobretudo por causa do câmbio.

A idéia é que a refinaria possa ser reativada em 2008 e que a primeira produção de álcool da empresa ocorra em 2009. Aguiar diz que o projeto visa produzir combustível a partir da cana cultivada em minifúndios, com produção familiar, característica comum na agricultura do Estado. Sua intenção é agregar 2,1 mil famílias por usina, com a primeira produção de álcool atingindo 14 milhões de litros em um ano.

A investida dos empresários, embora não seja a única, é a mais ambiciosa no Estado. Em geral, assim como a Energy Sul, os novos projetos apostam em produção em áreas litorâneas e no Vale do Itajaí, onde as temperaturas são mais altas, e nos quais a probabilidade de geada é menor. No extremo oeste, onde esse clima também existe, outros projetos começam a ser debatidos.

O secretário de Agricultura de Seara, Renato Tumelero, diz que o município do oeste catarinense está apoiando a construção de microdestilarias, mas não com o foco em gerar renda com venda do álcool no mercado, "mas com o intuito de segurar recursos na propriedade, com o produtor tendo economia ao gerar o combustível do seu próprio carro", diz ele, acrescentando que com meio hectare já seria possível produzir 1,5 mil a 3 mil litros de álcool por ano.

Tumelero, que tem procurado se aproximar da Federação dos Trabalhadores Rurais (Fetaesc) para uma "parceria de recursos" junto aos governos estadual e federal para fomentar o projeto, diz que "o mercado de etanol em ebulição estimulou a prefeitura a pensar em desenvolver o cultivo". Ele destaca que para ser viável, no entanto, será necessário que os produtores se organizem em grupos para em conjunto realizar investimentos em uma microdestilaria, cujos custos estimados são de pelo menos R$ 80 mil. Tunelero, assim como alguns pesquisadores do Estado, como Jack Crispim, da Empresa de Pesquisa Agropecuária (Epagri), em Urussanga, destacam que já há inclusive variedades de cana resistentes a temperaturas mais frias, o que pode facilitar o cultivo.

Crispim destaca que a variedade CB 45-3 resistiu a 12 geadas no ano 2000. "O clima no Estado não é 100% favorável, mas isso não quer dizer que não se possa produzir". Para ele, a produção pode não ser interessante para concorrer no mercado, onde já há grandes indústrias estabelecidas em áreas de maior produção como São Paulo, mas defende a cana em Santa Catarina com outras propostas. "Cana é sempre boa opção para o pequeno produtor. Pode não ser lucrativa em pequena escala para venda ao mercado, mas representa segurança por permitir independência energética no longo prazo, por diversificar o cultivo de uma propriedade, e pela utilidade da cana inclusive na nutrição animal".

A Epagri faz testes com cana desde 1996. Nos últimos dois anos tem trabalhado com 28 variedades do banco de dados da Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento Sucroalcooleiro (Ridesa). Estudo de Herberto Hentschel, outro pesquisador da empresa, calcula que a produtividade média no Estado é de 65 toneladas por hectare, volume inferior à produtividade média paulista, (80 toneladas), e que o custo de produção do álcool catarinense seria de R$ 0,65, praticamente o dobro do custo em São Paulo. Por haver opções de cultivo mais lucrativas do que o álcool, ele não recomenda a produção de cana aos pequenos produtores para venda no mercado.

Segundo Hentschel, atualmente existe uma procura grande por informações, em boa parte de empresários, motivada pela corrida atrás de bioenergia, mas ele acredita que dificilmente o Estado será um grande produtor de cana pelas próprias limitações naturais de clima. De abril a outubro, o Estado em geral sofre com temperaturas abaixo de 20 graus, o que inviabiliza o bom crescimento da cana, que necessita de sol principalmente neste período. "E não há nada que possa substituir o calor", diz.

Atualmente, estima-se em apenas 50 mil hectares cultivados em Santa Catarina, com a produção tendo crescido cerca de 20% nos últimos três anos. Hentschel questiona a existência de variedade resistente a temperaturas mais frias e acredita que a única forma de contornar possíveis geadas seria fazendo o cultivo de variedades precoces, pelo qual se estreita o período de colheita, de cerca de 180 dias para 120 dias, expondo a lavoura a um menor risco de geada.