Título: Onde está a governança?
Autor: Catherine Vieira e Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2005, EU &, p. D1

O que significa ter um bom padrão de governança corporativa? A expressão, que ganhou destaque nos últimos anos, contribui para a imagem de várias companhias abertas. Mas o que elas fazem para ganhar a fama de boas de governança muitas vezes acaba ficando vago para o investidor. Mais do que isso, muitas podem estar indo bem em alguns fatores e deixando a desejar em outros. Pensando nisso, o economista Alexandre di Miceli, especialista no tema, decidiu ampliar sua tese de mestrado para listar, objetivamente, os indicadores da boa governança. Depois, aplicou o teste às empresas que negociam ações na Bovespa. Assim nasceu o I-Gov, um Índice de Governança Corporativa que é a peça central da tese de Miceli, recentemente aprovada pela Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Os critérios do I-Gov levam em consideração 20 rígidos quesitos. A idéia foi medir, com critérios objetivos, como a empresa se comporta com relação ao acesso a informações; ao conteúdo das informações disponíveis; à política de transparência; à estrutura do Conselho de Administração; e à estrutura de propriedade e de governança corporativa. De 159 companhias - escolhidas a partir do critério de liquidez significativa no período analisado -, as que atingiram a melhor classificação foram a Petrobras e a Ultrapar, cada uma com 16 pontos. Bem avaliadas também estão empresas como a Brasil Telecom Participações, Escelsa e Vale do Rio Doce. Vale lembrar que o período analisado foi de 1998 a 2002, ou seja, progressos que as companhias tenham feito de lá para cá ainda não foram capturados. As empresas que estrearam na Bovespa em 2003 e 2004 também não entraram. Alguns resultados são polêmicos. A AmBev, por exemplo, está em sexto lugar com 13 pontos. Recentemente a empresa se uniu a Interbrew, sem que os preferencialistas tivessem o direito de receber parte do prêmio pago aos controladores, o "tag along". O ranking é feito a partir de perguntas objetivas e por isso não capta possíveis problemas nas relações entre controlador e minoritários. O motivo para que as pontuações máximas ainda não tenham sido alcançadas, segundo Miceli, é simples. "O índice é baseado nas perguntas que se dividem em dois grandes grupos, sendo as dez primeiras mais focadas em informações disponíveis e transparência; e as dez últimas direcionadas para a estrutura de controle e dos conselhos de administração", explica. "O que eu percebi é que não são poucas as empresas que tinham notas excepcionais no primeiro bloco, mas no segundo tinham pontuações baixíssimas", completa. Em outras palavras, cuidado com o excesso de marketing. "Em muitos casos, há indícios fortes de que quem tem problemas na estrutura controle e dos conselhos acaba se cercando de cuidados maiores com as informações, como uma forma de compensar as outras deficiências." A mudança de posições que várias empresas apresentam nos rankings dos sub-índices comprovam a tese de Miceli sobre a disparidade de algumas companhias nos diversos quesitos. Uma outra curiosidade é que em alguns casos empresas que possuem controladores comuns apareceram em posições muito distintas. "Notamos que há muita diferença no padrão de informação e transparência entre holdings e controladas, em alguns casos só uma delas oferece dados mais completos." O autor encontrou estatísticas interessantes. Os quesitos onde as companhias são mais fracas, por exemplo, são aqueles relativos a projeções. Apenas 1,9% das empresas possuem seções com projeções de retorno financeiro em seus sites e somente 3,7% apresentam, na internet, indicadores de valor adicionado. Também são poucas (21%) as que possuíam conselho de administração com mandato unificado de um ano e as que apresentavam documentos sobre governança no site (16%). Somente em 38% das empresas o controlador possuía menos do que 70% das ordinárias. Para o especialista, a questão 19 do índice, que aborda o excesso de direitos de controle em relação aos direitos sobre o fluxo de caixa do controlador, é hoje o fator crucial para o desenvolvimento da governança. "Conceder o 'tag along' a preferencialistas (quesito 20) ameniza parte do problema, mas o ideal para o alinhamento de interesses entre controladores e demais acionistas é que a diferença entre o percentual total de ações ordinárias e o percentual do total de ações em poder do controlador não seja muito alta", diz. "Caso contrário, ele poderá trabalhar não para o interesse do resultado da companhia, mas para criar mecanismos de utilização do caixa da mesma em proveito próprio." Uma outra hipótese que Miceli esperava testar com o índice era a relação entre os fatores de governança e o desempenho das companhias. "Infelizmente não há ainda como comprovar cientificamente que a boa governança conduza a um desempenho melhor das empresas que adotam as práticas, mas os indícios são fortíssimos", afirma. "O que é curioso é que o contrário também parece acontecer em alguns casos, empresas que começaram a ter bons desempenhos e a ficar mais visadas passaram a adotar melhores práticas", diz.