Título: Infraero é uma estatal de salários generosos
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2007, Brasil, p. A4

A possível abertura de capital da Infraero, hoje empresa 100% da União, vai exigir do governo, além de sua transformação em sociedade de economia mista, uma modificação na forma de contabilizar parte dos investimentos. Por afetar direta e negativamente a conta de resultado da empresa, reduzindo a possibilidade de geração de lucro e portanto de distribuição de dividendos, a forma atual pode inviabilizar o interesse de potenciais acionistas minoritários. Em parte por causa desse problema contábil, o balanço fechou com prejuízo nos últimos dois anos. Outro aspecto que pode preocupar potenciais investidores são as despesas de pessoal, que cresceram 76% desde 2001, com elevação de 88% na média salarial.

Normalmente, o que é investido por uma empresa em obras, equipamentos e instalações não entra como despesa na conta de resultados, já que representa constituição ou reforço de ativos, explica o superintendente de finanças da Infraero, Joselino Araújo. O resultado só é afetado a longo prazo, na medida em que se reconhece, por força da legislação, a depreciação de tais ativos.

A Infraero, no entanto, é um caso ímpar. Como os aeroportos são bens públicos da União, a aplicação de recursos próprios da empresa na infra-estrutura aeroportuária é contabilizada como despesa operacional. Só os investimentos em prédios, instalações e equipamentos próprios é que são tratados normalmente. Nos dois últimos anos, por exemplo, o impacto da parcela transferida à União foi tão grande que o balanço da Infraero apontou prejuízo de R$ 458,1 milhões em 2005 e de R$ 135,2 milhões em 2006.

Se os investimentos fossem considerados para a própria Infraero, esses dois balanços teriam exibido lucro, permitindo a distribuição de dividendos, o que faria toda a diferença na hipótese de existência de acionistas minoritários. Hoje, embora detenha diretamente 92,9% das ações, na prática a União é acionista única, pois o resto do capital pertence ao Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND).

Araújo reconhece, por outro lado, que, mesmo descontando a receita própria investida em bens da União, o resultado líquido anual da empresa piorou desde 2002. No último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, houve, nesse outro conceito, lucro líquido de R$ 454,17 milhões. Desde então, embora não tenha ficado negativo, o resultado caiu todos os anos até 2005 , quando foi de R$ 24,45 milhões. Em 2006, recuperou-se, para R$ 170,12 milhões, ainda assim, patamar bem inferior ao que se viu até 2004.

O desempenho do biênio 2005/2006 foi fortemente afetado pela quebra primeiro da Vasp e depois da Varig. As duas respondem pela maior parte dos R$ 896 milhões de dívidas vencidas e não pagas de companhias aéreas perante a Infraero. O risco de não ver esse dinheiro obrigou a empresa a fazer pesadas provisões para potenciais perdas. O impacto da constituição de provisões no balanço anual, que oscilou entre R$ 72,9 milhões e R$ 107,3 milhões no período de 2001 a 2004, subiu muito no último biênio, alcançando R$ 278,6 milhões em 2005 e R$ 299,7 milhões em 2006. Se o fluxo líquido anual de novas provisões tivesse ficado em patamar semelhante ao verificado até 2004, os resultados teriam sido bem diferentes.

Os potenciais futuros acionistas minoritários da Infraero certamente vão olhar com preocupação também a evolução das despesas de pessoal. Elas não estão explícitas nos quadros de demonstração de resultado publicados no relatório anual de gestão dos últimos exercícios. Mas podem ser vistas nos quadros de distribuição do Valor Adicionado (VA) da empresa. Eles mostram que o gasto anual com empregados na forma de salários, encargos, benefícios, participação em lucros e programa de demissão incentivada subiu cerca de 76%, quando comparados montantes de 2001 e 2006. Frente a 2002, ano em que houve redução, a folha da Infraero, que chegou a R$ 793,31 milhões no ano passado, cresceu 97%.

O ritmo de expansão do gasto com pessoal superou até mesmo o da receita operacional bruta, cujo valor alcançou R$ 2,03 bilhões em 2006, crescendo 52% na comparação com 2001 e 39,5% frente a 2002. Entre as fontes de arrecadação está a Tarifa de Embarque, cobrada dos passageiros. Mas há outras fontes, como tarifas de pouso, de permanência, de uso de comunicações, pagas pelas companhias aéreas. A Infraero também fatura pelo uso que outras empresas fazem de áreas de armazenagem de carga e de exploração de serviços. Araújo explica que o aumento de gastos com pagamento de empregados nos últimos anos deve-se principalmente a dois fatores. Um deles foi a necessidade de contratação de gente por causa da expansão das atividades . No final de 2006, a Infraero administrava 68 aeroportos, 32 Terminais de Logística de Carga e 80 Estações de Apoio à Navegação Aérea. Para cuidar de tudo isso, tinha 26,5 mil profissionais, dos quais 9,6 mil próprios e o restante terceirizado

O processo de substituição de terceirizados, por exigência do Ministério Público, é outro motivo de expansão dos gastos com pessoal nos últimos anos, diz o superintendente. Ele reconhece, por outro lado, que há vantagens salariais incomuns na empresa. Enquanto os trabalhadores em geral têm direito a adicional de férias de 33%, a Infraero paga 50%. Os aumentos também têm sido generosos. A remuneração média mensal, já excluída a dos dirigentes, subiu 88% desde 2001, atingindo R$ 2.962 em dezembro passado. A remuneração dos dirigentes também apresentou variação expressiva, perto de 50%, atingindo R$ 18.661 mil.

O novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, quer mudar o padrão de gestão da Infraero. Por isso, já disse à cúpula do governo que quer um nome técnico para o seu comando, o que pode significar a saída do atual presidente, José Carlos Pereira.