Título: O começo do fim?
Autor: Camba, Daniele e Cotias, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2007, EU & Investimentos, p. D1

O mercado ontem assustou os investidores como há muito não se via. O Índice Bovespa chegou a cair 6%, para 52.627 pontos. O indicador encerrou o dia em baixa de 3,76%, em 53.893 pontos, a menor pontuação desde o dia 26 de junho. O problema é a deterioração das operações de crédito nos EUA e na Europa, o que está provocando uma onda de aversão ao risco. Para os analistas, ainda é cedo para dizer que esse tombo é uma reversão da longa tendência de alta. Isso só irá acontecer se tais problemas de crédito abalarem o crescimento mundial, o que parece longe. No entanto, não dá para dizer qual é o tamanho do buraco ou se já é hora de comprar. O melhor agora é esperar uma definição.

A escalada do risco-Brasil e de outros emergentes ante a queda da taxa dos títulos do Tesouro americano revela o aumento da percepção de risco, com a fuga para ativos mais seguros, assinala Alexandre Espírito Santo, sócio da Avanti Gestão de Recursos e chefe do departamento de finanças da ESPM-RJ. A maior preocupação é que a inadimplência em hipotecas de risco ("subprime") contagie o setor de crédito como um todo. O menor apetite por papéis de dívida corporativa também é um sinal de que a liquidez começa a se apertar.

Ele cita a suspensão, pela segunda vez, da venda de US$ 12 bilhões em títulos que iriam financiar a compra da Chrysler pelo fundo de private equity Cerberus Capital Management por falta de demanda. As perdas dos fundos hedge também podem ter efeito perverso, à medida que exigem que os gestores honrem ajustes nas bolsas. "Para fazer caixa, eles podem ser obrigados a vender papéis com prejuízo e isso pode virar uma bola de neve." Ele vê o Ibovespa mais justo na casa dos 50 mil pontos, ou seja, novas quedas poderão vir.

Nas últimas semanas, os ruídos sobre o setor imobiliário americano ficaram maiores e os investidores teimaram em ignorar, lembra a chefe de análise da Fator Corretora, Lika Takahashi. "O apetite por risco era o que estava sustentando o mercado e, com a drástica redução desse apetite, a tendência é de queda." Assim como Espírito Santo, ela está há algum tempo mais pessimista que a maioria e espera o Ibovespa em 51 mil pontos. "Agora, pode valer mais a pena assistir, ficando fora do mercado."

A diferença entre a queda de ontem e a de fevereiro, quando o Ibovespa caiu 6,6% num dia, é que lá atrás os problemas dos "subprimes" eram conseqüência apenas da queda do consumo e, agora, são pela piora do crédito, que pode ser bem mais contagioso, diz o estrategista para a América Latina do WestLB, Ricardo Amorim. Apesar de a baixa ser aparentemente mais profunda do que a de fevereiro, Amorim acredita que está longe de ser uma mudança de tendência. "Os mercados continuarão subindo porque a piora do crédito ainda não feriu o crescimento mundial."

Caso se confirme uma crise no mercado de crédito, sobram conseqüências para todos os lados, diz o superintendente de renda variável do Banif Banco de Investimentos, Nami Neneas. O consumidor americano, que vinha se auto-financiando por meio das hipotecas, começa a ter problemas para quitar dívidas, enquanto os bancos negociados na bolsa lá fora podem ver seu valor de mercado minguar na proporção do aumento da inadimplência. O contraponto é que os resultados das empresas no segundo trimestre até agora ainda mostram uma economia saudável. Das companhias listadas no S&P500, 65% superaram as projeções, 16% vieram em linha e só 19% abaixo do esperado.

No entanto, o investidor não deve entrar em pânico, afirma João César Tourinho, vice-presidente do Banco Safra de Investimentos. Para ele, o movimento de queda é natural depois de o mercado bater tantos recordes e deve ser temporário. Ele lembra ainda que a turbulência do mercado no fim de fevereiro foi mais forte que a desta semana.

A correção do mercado deve ser temporária, mas pode ainda ir mais longe, afirma Rodrigo Bresser Pereira, da Bresser Asset Management. "Vai ser uma daquelas correções que vamos lembrar", diz ele, arriscando um palpite que o Ibovespa pode bater nos 50 mil pontos, para depois se estabilizar nos 55 mil por algum tempo. "Após uma forte queda pode haver uma recuperação rápida também, mesmo que não volte para o nível anterior", diz. Ele lembra que os fundamentos da economia mundial continuam favoráveis.

Ainda é cedo para saber se a queda de ontem é uma tendência, mas ela deve ter impactos fortes nos fundos multimercados, afirma Luís Fernando Lopes, do Pátria Investimentos. "A grande maioria das carteiras é direcional, estava em bolsa, e vai sofrer", diz. Para ele, devemos ter alguns dias de mercado ruim e de perdas nas cotas.