Título: Tesouro descarta mudança de rota por causa de turbulência
Autor: Galvão, Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2007, Brasil, p. A6

Da mesma forma que ocorreu com seu antecessor, Carlos Kawall, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, pegou uma turbulência financeira internacional com menos de dois meses no cargo. Mas o que ele prefere chamar de "acomodação" deixou de estar acompanhada de uma crise interna que crescia no início do ano: a insatisfação dos governadores com as condições de pagamento do refinanciamento das dívidas dos Estados com a União.

Augustin garante que a meta de superávit primário será cumprida pelos Estados porque estes conseguiram uma equação fiscal melhor e isso abriu espaço para endividamento sem alteração das normas existentes. Junto com os municípios, os Estados têm de cumprir superávit equivalente a 0,98% do PIB. O governo federal (incluindo estatais) tem de produzir resultado fiscal positivo de 2,82% do PIB.

Na análise do secretário, o solavanco financeiro iniciado na semana passada não afetará o país e os fundamentos da economia permitem muita tranqüilidade para enfrentar qualquer tipo de adversidade. A suspensão do leilão de títulos, foi determinada, conforme Augustin, porque o Tesouro não tinha, na semana passada, de sancionar taxas que não serão mantidas.

Na turbulência financeira internacional de meados de 2006, o Tesouro anunciou a volta das emissões de LFT, título vinculado à Selic. Era um sinal de segurança para evitar pressionar o mercado. Mas, por enquanto, Augustin descarta a opção. A estratégia de emissão de títulos denominados em reais no mercado externo, segundo ele, também fica mantida. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao Valor:

Valor: No início do ano, os governadores reclamaram de dificuldades para pagar as parcelas do refinanciamento da dívida dos Estados com a União. O que pode ser feito?

Arno Augustin: Temos conversado com eles e encontramos pontos em comum no investimentos do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e na estrutura fiscal. O ministro tem falado com os governadores e, até o momento, tivemos acordo com todos. No início do ano havia uma certa tensão, mas foi resolvida de forma positiva para o país. Os Estados conseguiram uma equação fiscal melhor e isso permitiu a eles espaço novo de endividamento sem alterar as normas existentes. A Lei de Responsabilidade Fiscal, a resolução do Senado e a curva de endividamento permitiram espaço novo. É importante a sociedade compreender que não haverá mudança nessa curva de endividamento dos Estados. O primário dos Estados será mantido. Mesmo mantendo esse superávit, eles têm uma capacidade de endividamento maior e estão fazendo os programas de interesse de cada um deles na infra-estrutura. A curva de superávit primário dos Estados vem crescendo. Houve muita dúvida sobre a possibilidade de o governo mudar alguma coisa. O espaço foi criado porque a situação fiscal deles melhorou. Algum Estado pode ter uma situação que tem de ser equacionada, mas a média é boa.

Valor: Rio Grande do Sul e Alagoas têm situação fiscal pior. Como isso está sendo conduzido?

Augustin: A maior parte dos Estados pôde ter espaço dentro das curvas pré-existentes. Vou evitar citar nomes, mas há casos de endividamento maior que o dobro da receita, o que impede maior endividamento. Casos específicos vão exigir discussão mais peculiar, mas há diferença entre um ou outro Estado e a situação geral. No início do ano, chegaram a defender mudanças na resolução do Senado, mas isso acalmou.

Valor: Na política fiscal, será descontado o Projeto Piloto de Investimento (PPI) do superávit primário?

Augustin: O primário deste ano está previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias [LDO] e trabalhamos com aquele cenário. Estamos no final de julho. É cedo para prometer e também para descartar esse desconto. Ainda há um período grande da execução orçamentária. No final do ano teremos elementos para definir.

Valor: Como está o ritmo de execução do PPI e do PAC?

Augustin: A execução dos primeiros meses mostrou é a maior velocidade que no ano anterior. O investimento, historicamente, não tem sido alto. O importante para nós é recolocá-lo na rota de mais velocidade. Continuamos a trabalhar com o que foi programado. O investimento neste ano tem sido bem maior que o do ano passado. Até maio, os valores pagos superaram em 32,6% o mesmo período de 2006, chegando a R$ 5,99 bilhões.

Valor: Já foi analisada a proposta de medida provisória que vai regularizar a representação das centrais sindicais e dará a elas 10% da arrecadação do imposto sindical?

Augustin: Entendemos que não tem influência no aspecto fiscal. A perda de receita é de R$ 44,3 milhões por ano.

Valor: Como está a análise do leilão da folha do INSS?

Augustin: Esse assunto está com o Ministério da Previdência e com a Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. O Tesouro está acompanhando.

Valor: O que pode acontecer com o Brasil nessa turbulência financeira internacional?

Augustin: É a acomodação em função de fatos internacionais. Ela não afetará o país e os fundamentos da economia permitem muita tranqüilidade para enfrentar qualquer tipo de adversidade. A suspensão do leilão foi decidida porque não temos de sancionar taxas que não serão mantidas. Esses juros não correspondem à curva para o próximo período. Justamente porque estamos muito tranqüilos, não temos necessidade de movimento mais forte. Vamos manter nossa política. A curva de juros que o Brasil vem projetando é muito positiva, no sentido de queda. Estamos convictos que as coisas vão se aclamando e vai se demonstrar, mais uma vez, que o país tem fundamentos bem mais sólidos que o de outros países emergentes. No nível internacional, houve uma tendência de procura pela segurança. De forma alguma essa acomodação preocupa. É esperar acalmar e prosseguir no rumo.

Valor: Na última turbulência internacional, o então secretário do Tesouro, Carlos Kawall, anunciou a volta das emissões de LFT, título vinculado à Selic. Era um sinal de segurança para evitar pressionar o mercado. Isso é necessário novamente?

Augustin: Nossa avaliação é a de manter a política. Não vemos necessidade de medida diferente da que estamos fazendo. A palavra é acomodação de mercado. Não vejo necessidade de maior intervenção.

Valor: E a emissão de títulos denominados em reais no mercado externo? Muda após a turbulência?

Augustin: Nossa última emissão em reais foi de um papel de 20 anos a uma taxa de 8,626%. É uma política bem sucedida que vai continuar.

Valor: Os Estados Unidos estão à beira de uma recessão?

Augustin: O indicador de atividade divulgado na sexta-feira, 3,4%, foi melhor que o esperado. Nossa avaliação do cenário internacional é a da boa condição do Brasil. Temos US$ 150 bilhões de reservas, o que dá muita tranqüilidade. Quanto á evolução dessa situação, é cedo para dizer que rumo ela tomará. A primeira impressão é a de que é algo sem conseqüências maiores. É cedo para ser otimista ou pessimista. Não acho que essa turbulência indica uma grande mudança de cenário. As acomodações ainda vão levar algum tempo. Nossa maior preocupação, nossa ênfase, é como o Brasil se insere nesse quadro. É importante ressaltar esse aspecto porque, em outros tempos, as turbulências causavam enorme impacto no Brasil e mudavam a conjuntura interna.

Valor: O movimento da quinta-feira, com dólar e risco subindo e bolsas caindo, não vai demorar?

Augustin: São acomodações. A bolsa caiu mas já tinha subido bastante. Ela está encontrando seu patamar. O dólar também. Essa é a vantagem do sistema brasileiro de câmbio flutuante. Nesses momentos, o mercado avalia as mudanças e encontra o seu equilíbrio. A quantidade de emissões primárias de ações de empresas é muito boa. Em junho, o investimento direto estrangeiro foi de US$ 10 bilhões.