Título: Defesa de autonomia rendeu título a Jobim
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2007, Política, p. A8

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, influenciou seus colegas do Supremo Tribunal Federal (STF) na mais importante decisão de um tribunal sobre a estabilidade de mandatos de dirigentes de agências reguladoras. Vista pelo retrovisor, a decisão ganha novos contornos no momento em que se discute a destituição de diretores da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), proibida pela legislação.

Em 1999, o STF garantiu a independência da Agergs, agência que regula os serviços públicos no Rio Grande do Sul, ao impedir o então recém-empossado governador Olívio Dutra (PT) de destituir a cúpula nomeada por seu antecessor, Antônio Brito (PMDB). Por sua argumentação no STF, considerada decisiva para o resultado final do julgamento, Jobim ganhou da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar) o título de "Personalidade" quatro anos mais tarde, em 2003, pela "contribuição relevante" e pela "atuação na defesa da autonomia" das agências.

O atual presidente da Abar, Álvaro Machado, diz ter visto com preocupação as recentes declarações de Jobim sobre mudanças na diretoria da Anac. Para ele, mexer agora na cúpula da agência de aviação pode abalar a confiança de investidores em outros setores regulados. Machado condena o tratamento de "bode expiatório" à Anac. "Não quero culpar ou isentar ninguém, mas não é simplesmente mudando as regras do jogo que se vai acabar com o apagão aéreo", resume.

Empossado na semana passada com carta branca para fazer mudanças no Ministério da Defesa, Jobim questionou a própria existência da Anac e referiu-se à estabilidade dos mandatos como um "problema legal". Em 1999, ele teve que se debruçar sobre o assunto, quando o governo de Olívio Dutra entrou no STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), contra dois artigos de uma lei estadual que definiam as atribuições da agência reguladora gaúcha. Esses artigos diziam que apenas a Assembléia Legislativa pode destituir conselheiros da Agergs. Jobim argumentou, na ocasião, que os dirigentes só podiam ser afastados por justa causa, mediante a condenação em processo disciplinar - mesmo princípio que consta da Lei da Anac, de 2006.

"Todas as agências se caracterizam pela participação do Legislativo na nomeação e na inviabilidade de o Executivo destituir seus integrantes sem motivação", disse à época o novo ministro da Defesa. A Agergs travava uma batalha com o governo petista de Dutra. Rejeitara aumentos de tarifas às concessionárias de ônibus, detonando uma queda-de-braço sobre quem detinha poderes para reajustar preços. Na época, a decisão do STF foi interpretada da seguinte forma: para exonerar diretores de agência, somente com a comprovação de dolo, por processos especiais, regidos por comissões. Poderiam ser processados diretores suspeitos de improbidade administrativos, com idoneidade moral contestada ou condenados em processo transitado em julgado.

Até então, a maior jurisprudência sobre o assunto era a Súmula 25, do STF, de 1962. No ano anterior, o presidente Jânio Quadros tentou afastar o representante do governo, nomeado por Juscelino Kubitschek, no conselho do antigo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários. O representante tinha mandato de quatro anos e entrou com mandado de segurança para preservar-se no cargo. O STF admitiu a hipótese de demissão.

Advogados especialistas em regulação apontam outras características da postura de Jobim em relação à estabilidade de mandatos, quando ele se pronunciou sobre o assunto no Supremo. Para contrariar a Súmula 25, Jobim teria argumentado que a Agergs não tinha função de planejamento. Ela apenas regulava e fiscalizava. A posição do STF, influenciada por Jobim, foi de condicionar mandatos fixos e proibição de afastamento à característica da agência em questão - se ela apenas regula e fiscaliza, mas não planeja, não pode ter destituição dos dirigentes. A lei da Anac diz que cabe ao órgão "implementar orientações, diretrizes e políticas estabelecidas pelo Conselho de Aviação Civil (Conac)".