Título: Crise aérea repõe debate sobre autonomia de agência
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2007, Opinião, p. A14

O relatório do projeto de lei que unifica as regras de funcionamento das agências reguladoras (PL 3.337/2004), que tramita no Congresso, admite a demissão do presidente e dos diretores das agências apenas em casos de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.

A questão da estabilidade dos dirigentes das agências ganhou relevância na discussão sobre a crise aérea e a responsabilidade da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) nesse processo, marcado pelo trágico acidente do vôo 3054 da TAM. Vários parlamentares já se mobilizam para incluir, no projeto que está pronto para ser votado na Câmara, a possibilidade de demissão dos diretores pelo presidente da República ou pelo Congresso.

O relator do projeto, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), declarou na semana passada ser contrário a dar essa permissão ao presidente da República. Isso seria frontalmente contra a autonomia que as agências reguladoras deveriam ter. Ele sugere o modelo americano, onde o presidente indica os diretores e o Congresso, que os aprova, também pode tirá-los. É, de fato, bem mais razoável atribuir o controle das agências ao Congresso, onde os interesses políticos são mais diluídos. Deixá-las sob a intervenção direta do Executivo significaria enterrar completamente a idéia de se ter instâncias técnicas e autônomas de regulação.

É preciso definir, também, mecanismos claros de prestação de contas das agências para a sociedade. O projeto de lei elaborado pelo Poder Executivo instituía os contratos de gestão com os ministérios setoriais. O texto foi modificado pelo Legislativo, que remete o controle externo das agências ao Congresso, com o auxílio do Tribunal de Contas da União.

Não basta, contudo, identificar na Anac uma boa dose de responsabilidade pela crise e demitir seus atuais diretores - que não são e nunca foram especialistas em aviação, ao contrário, foram indicações políticas patrocinadas pelo governo em acordo com a base aliada. É preciso ir além tanto no diagnóstico quanto nas soluções da crise.

O presidente da Anac, Milton Zuanazzi, cujo desempenho está sob duras críticas, declarou por duas vezes, na CPI do Apagão Aéreo, que a agência, criada em março de 2006, não foi responsável por uma concessão de vôo sequer para o aeroporto de Congonhas. Se hoje este é um aeroporto totalmente sobrecarregado, quem fez as concessões para os vôos existentes, segundo ele, foi o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC). O último diretor-geral do DAC foi o major-brigadeiro Jorge Godinho, hoje assessor especial do Ministério da Defesa. Ainda segundo depoimento de Zuanazzi, a Anac encontrou Congonhas operando com 48 movimentos de pouso e decolagem por hora e, duas semanas antes do acidente da TAM, reduziu esse número para 44 movimentos.

A despeito de todas as fragilidades da Anac, do risco permanente de ser capturada pelos interesses das companhias aéreas, das suas omissões e da performance lamentável da sua diretoria, o modelo de agência reguladora é mais transparente do que o que havia no passado, quando a ação do DAC era discricionária. Há que se reconhecer, também, que a Anac trabalha sob a égide do Código Brasileiro da Aeronáutica e deve seguir as diretrizes de política dadas pelo Conselho da Aviação Civil (Conac).

Criado em 1986, o Código é um documento anacrônico. O valor das indenizações em casos de acidentes ainda é indexado à variação das extintas OTNs (Obrigações do Tesouro Nacional). Ele define que as empresas aéreas só têm alguma obrigação com seus passageiros se o vôo atrasar mais de 4 horas; restringe a participação do capital estrangeiro no setor a 20% das ações com direito a voto, mas não regula o duopólio exercido pelas duas maiores companhias aéreas; assim como ignora um problema que atazana a vida dos passageiros, o "overbooking". Já o Conac ficou sem se reunir de outubro de 2003 a junho de 2007, o que é incompreensível.

O leque de responsabilidades do governo pela crise aérea é amplo. No que cabe à Anac, melhor seria fortalecê-la e acabar com seu loteamento político. Para as agências, é preciso haver regras claras de prestação de contas ao Congresso, a quem caberia, sob determinadas condições, substituir seus titulares.