Título: Quem fica com os ganhos da produtividade tributária?
Autor: Trevisan, Antoninho
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2007, Opinião, p. A14

O pragmatismo tributário brasileiro tratou de legislar levando principalmente em conta a capacidade do fisco de controlar, fiscalizar e arrecadar determinados grupos de contribuintes. Tornou-se comum a autoridade fazendária usar esse pragmatismo para defender certos tributos que, apesar da sua péssima qualidade técnica, traziam alta eficácia arrecadadora ou tinham baixo custo para cobrar e fiscalizar.

Assim, a sociedade brasileira aceitou tributos indiretos incidentes sobre mesma base, como a Cofins, duplicando a incidência deles sobre o lucro das empresas, a chamada Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL. Claramente inapropriado, o nosso sistema tributário foi alvo de crítica dura do atual ministro da Fazenda Guido Mantega, que o qualificou como "injusto e ineficiente".

O fato é que, apesar disso e também por isso, a arrecadação tributária brasileira bate sucessivos recordes já há alguns anos. Não se sustentam mais as alegadas razões da Receita Federal de que os aumentos se devem a fatores específicos. Sem entrar em outros méritos, a questão é que o continuado aumento da carga tributária resulta do vigor da economia brasileira. Considerando apenas o incremento de arrecadação no primeiro semestre deste ano de 2007, deveremos fechar o ano com o equivalente a duas CPMFs anuais.

Outro elemento que sustenta o aumento da arrecadação é a inegável melhora na ação fiscalizadora e, sobretudo, o uso de tecnologia inteligente das receitas federais e estaduais. Certamente, tributos estão sendo arrecadados de parcela da sociedade que antes não era atingida. Um tributo que dá a magnitude do alcance fiscalizador e permite uma infinidade de cruzamentos de forma eficiente é a tão discutida CPMF. A introdução da Nota Fiscal eletrônica também possibilitará ainda mais vigor a crescente arrecadação dos governos federal e estadual.

Em conseqüência, a carga tributária aumenta. Até quanto é difícil dizer, já que desde 1994 ela se mantém crescente. Daí a indagação. Quem se apropria desse aumento? O governo dirá: com isto, distribuímos melhor a renda e os pobres serão melhor tratados. Aparentemente, ninguém poderia contestar essa afirmativa tão humana. Mas não é uma afirmativa cem por cento honesta. Porque são os mais pobres os verdadeiros injustiçados pela má qualidade do sistema tributário. A injustiça a que se refere o ministro Mantega, parece-nos, decorre do fato de que dois terços da arrecadação vem dos tributos indiretos, justamente os que são cobrados sobre a produção e a venda de forma indiscriminada, independentemente da renda do indivíduo.

-------------------------------------------------------------------------------- O mais cruel é que a alta carga tributária inibe o crescimento econômico de forma harmônica e gera muito menos emprego --------------------------------------------------------------------------------

Mas o mais cruel é que a alta carga tributária inibe o crescimento econômico de forma harmônica e gera muito menos emprego do que poderia gerar. Novamente os mais pobres são quem pagam a conta. Ao taxar excessivamente as empresas e tomar 34,5% de tudo o que é produzido, o governo retira o desejo animal do empreendedor brasileiro como tão bem batizou o professor Delfim Netto. É verdade também que se já não é necessário ser seletivo na hora de taxar, uma vez que os impostos estão alcançando a mais ampla comunidade, porque não devolver o excedente de arrecadação exatamente para aqueles que sempre foram o alvo da tributação?

Por isso é que defendi em nome dos conselheiros do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), na reunião plena do dia 17 de julho, a criação de norma legal que definisse um limite a arrecadação. Porque ela é crescente e a atual capacidade arrecadadora ainda está longe de ser atingida. Muitos tributaristas, aí me incluo, entendem que somente em função da produtividade tributária há espaço para se aumentar a atual carga em pelo menos dez pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB). Esse aumento seria, na proposta que apresentamos no CDES, devolvido no ano seguinte pela diminuição automática e proporcional de todas as alíquotas de impostos em vigor.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, presente a esta reunião, ouviu atentamente, mas não deu sinais de que aprovava a idéia. Já o ministro Mantega, que igualmente participou da plenária, declarou aos jornais que não via com bons olhos essa limitação. É de se esperar que os governos prefiram garantir receitas ilimitadas para, assim, com folga na tesouraria executar sua programação sem sustos.

Mas é necessário alertar as autoridades e o faço com o maior respeito, afirmando de que se trata de um erro político e técnico. Parte importante das empresas está estressada por conta de tantos anos carregando dissabores como o câmbio desarticulado, os juros e impostos elevados.

Daí, seria um enorme trunfo para a economia, e a sociedade receberia com legítima satisfação a demonstração de que governos também são capazes de pensar nas pessoas físicas e nas jurídicas. Estas sim as pessoas que promovem a produção e são geradoras de felicidade.

Antoninho Marmo Trevisan é contador, presidente da Trevisan, Outsourcing, Consultoria e Educação e da BDO Trevisan Auditores é membro do CDES - Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.