Título: Empresários reivindicam acesso livre à Argentina
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2007, Especial, p. A16

Descontentes com as dificuldades para aumentar a participação no mercado da Argentina, empresários dos setores de calçados e fabricantes de refrigeradores e máquinas de lavar pressionam os governos brasileiro e argentino para eliminar restrições impostas às exportações para o mercado vizinho. Exportadores e analistas de comércio reconhecem que, apesar das restrições, as vendas têm crescido, e são unânimes em considerar um êxito a iniciativa brasileira de "comissões de monitoramento de comércio", para eliminar atritos comerciais com parceiros no continente. Apesar disso, dizem que é hora de pedir mais à Argentina.

O governo brasileiro tenta um acordo com a Argentina para garantir o livre comércio desses produtos a partir de 2008. Segundo autoridades argentinas, os "fatores políticos" que envolvem a sucessão presidencial no país vizinho impedem esse compromisso, mas estão previstas novas rodadas de negociações.

"Não estamos dispostos a continuar submetidos a restrições de importação", afirma a coordenadora de comércio exterior da Eletros, Maria Teresa Bustamante, que apresentará essa posição na reunião marcada para hoje, em São Paulo, da comissão de monitoramento de comércio Brasil-Argentina. "Se não excluírem nossos produtos do regime de licença não-automática de importação, o Brasil não terá como evitar uma denúncia contra a Argentina no tribunal arbitral do Mercosul", anuncia a executiva da Eletros, associação dos produtores de eletroeletrônicos.

A insatisfação em relação aos limites impostos pelo governo argentino também será levada à reunião pelos representantes do setor de calçados, outro submetido, desde o ano passado, ao regime de licenças não-automáticas - que permite às alfândegas da Argentina reter lotes de mercadorias vendidos ao país.

"Estamos perdendo um potencial de mercado de 5 milhões de pares anuais", calcula o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein. "Estamos já no terceiro ano seguido de contingenciamento das vendas à Argentina, esperamos que seja o último." Embora não haja um acordo explícito, os argentinos têm monitorado as vendas de calçados de todas as procedências e operado as licenças para manter a participação das vendas do Brasil em 70% a 75% das importações do mercado local.

Apesar das queixas, mesmo os setores que se consideram prejudicados pelas restrições argentinas comemoram o êxito das comissões de monitoramento, que acabaram com as "guerras" movidas na Argentina contra importações brasileiras. Em 2005, a decisão de impor licenças não-automáticas provocou a retenção de mais de 700 mil pares de calçados na fronteira com a Argentina. Em 1999, lembra Klein, as retenções foram ainda maiores, em meio a uma verdadeira guerra comercial com a Argentina - que na época ameaçou até confiscar parte das exportações dos calçadistas.

"Antes era muito conflituoso, foi positiva a experiência das comissões de monitoramento", atesta o executivo da Abicalçados. As negociações na comissão de comércio, comandadas pelo então secretário da Indústria, Miguel Peirano (recém-nomeado ministro da Economia da Argentina) e o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, retiraram da vitrine as disputas comerciais, como a que ficou conhecida como a "guerra das geladeiras", em que os argentinos bloquearam vendas de eletrodomésticos brasileiros alegando danos aos produtores locais.

"O diálogo tem sido mantido, graças aos esforços do Ivan Ramalho", atesta Maria Teresa, . "mas estamos limitados ao nosso desempenho de 2006, enquanto o Chile, o México e a Turquia aumentam a participação no mercado argentino", queixa-se ela. "A indústria argentina já teve tempo de crescer, se recuperar, investir em equipamentos", afirma.

O Brasil ainda é o fornecedor estrangeiro com maior fatia do mercado de eletrodomésticos na Argentina, embora essa participação tenha diminuído - os refrigeradores brasileiros, que já ocuparam metade do mercado argentino, hoje têm cerca de 38%. Um em cada quatro fogões vendidos nas lojas argentinas é fabricado no Brasil, e 28% das máquinas de lavar roupa também são exportações brasileiras.

A forte recuperação da economia argentina, que, desde 2004, tem registrado aumento nos investimentos produtivos e deve crescer 7,5% neste ano, de acordo com previsão da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), permitiu aos produtores de calçados brasileiros aumentar em 31% as vendas ao mercado vizinho. As vendas de refrigeradores, apesar do licenciamento compulsório, cresceram 22%. Esse desempenho foi possível, mesmo em condições negativas, graças à grande valorização da moeda brasileira em relação ao dólar e, em menor medida, também na comparação com o peso argentino.

"O licenciamento não-automático é justificado na Argentina como uma maneira de monitorar o crescimento das vendas de fornecedores de países asiáticos, mas restrições às vendas brasileiras não se justificam mais", concorda Ivan Ramalho.

O diálogo com os argentinos, que, segundo Ramalho, tornou-se "excelente" com Miguel Peirano como interlocutor, agora passa por uma fase de incerteza, com a nomeação do secretário para o Ministério de Economia, em substituição a Felicia Miceli, demitida em um escândalo de corrupção. Na reunião de hoje, como chefe da delegação argentina estará a substituta interina de Peirano, Leila Nasser.

Em maio, na reunião da comissão de monitoramento, Peirano havia aceitado discutir no encontro de hoje a situação das exportações de calçados e eletrodomésticos brasileiros à Argentina. Ficou claro para os interlocutores brasileiros que a campanha eleitoral no país vizinho impede, porém, um compromisso firme dos argentinos.

O ótimo clima de relacionamento entre os dois países é atestado pelo diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Carlos Cavalcanti, para quem Brasil e Argentina vivem uma "quase lua de mel", com a redução das tensões, facilitada, segundo acredita ele, pela boa conjuntura econômica do país vizinho.

"Países com volume alto de comércio sempre terão atrito", comenta, para justificar o "quase". Com outros países, alguns conflitos têm sido resolvido tão rapidamente que nem chegam a ter divulgação, afirma o executivo.