Título: Carne argentina perde espaço no exterior
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2007, Agronegócios, p. B12

Reconhecida pela liderança no mercado internacional de carne bovina, mantida até a década de 1980, a Argentina perdeu espaço para seus principais concorrentes no exterior, entre eles seus três sócios do Mercosul (Brasil, Uruguai e Paraguai), e enfrenta dificuldades para recuperá-lo. Não porque o país tenha perdido em qualidade, mas sim por uma "política de Estado". Para conter a alta dos preços no mercado local, o governo argentino decidiu reduzir as exportações, direcionando a produção para o consumo interno.

Mas, movidos pela expectativa de que a retomada externa aconteça, e com a demanda doméstica em recuperação, os grandes pecuaristas do país estão liderando uma importante transformação no segmento. Com elevados investimentos em tecnologia, eles conseguiram, a partir de um número menor de animais, aumentar em quase 30% a produção de carne nos últimos 15 anos, para as atuais 3,1 milhões de toneladas. O rebanho bovino baixou de 61 milhões de cabeças no fim dos anos 1970 para 56 milhões este ano.

A produção de carne, que havia caído fortemente em 2002 por causa da crise econômica, voltou a crescer até 2005, aproximando-se das 3,14 milhões de toneladas de 1978. Impulsionadas por um mercado favorável, as exportações avançaram 120% de 2002 a 2005.

Em março de 2006, porém, o governo suspendeu as exportações de carne da Argentina por 180 dias. Depois estabeleceu cotas de vendas e este ano liberou o comércio externo para um volume equivalente a 70% do total exportado em 2005. No entanto, as licenças de exportação não são concedidas.

Na prática, quase não se exporta, e só ficaram livres de restrições as vendas dentro da Cota Hilton, uma partida de alta qualidade do produto que entra na União Européia sem barreiras, a um preço de até US$ 13 mil a tonelada. O resultado foi uma queda de 30% nas vendas externas de lá para cá. Até agora não se sabe se haverá liberação das licenças, nem quando.

Um estudo feito pelo empresário Luis M. Bameule, dono do frigorífico Quickfood, o maior do país de capital nacional, mostra que, há dez anos, a Argentina respondia por mais da metade (52%) das exportações de carne do Mercosul, que eram de aproximadamente 985 mil toneladas. No ano passado, as vendas do produto pelos quatro países do bloco somaram 3,6 milhões toneladas, com crescimento de 273% em relação a 1995. Mas a Argentina respondeu por apenas 15% deste total.

A decisão governamental apenas aprofundou uma tendência dos últimos 30 anos, como ressalta Bameule. "A produção argentina de carne bovina declinou lenta mas consistentemente, entre 1970 e 2002", afirmou o empresário. As causas são várias, entre elas a falta de políticas sustentáveis para o setor, a febre aftosa em 2001 - que afastou o país dos mercados internacionais por quase um ano - e o protecionismo dos países ricos. Quando em 2003 a Argentina foi considerada área livre de aftosa, a produção e as vendas deram um suspiro e voltaram a subir, mas em 2006 voltaram a tombar.

Embora os argentinos ainda sejam um dos povos que mais comem carne no mundo, nos últimos 30 anos o consumo foi reduzido de 80 quilos por habitante para 65 quilos em 2005. Com a recuperação econômica nos últimos quatro anos, o consumo per capita voltou a subir e já voltou à casa dos 70 quilos. Isso graças aos preços internos controlados que, por outro lado, desestimulam a produção.

"O maior inimigo da pecuária argentina está dentro do país", diz o engenheiro Telmo Trossero, produtor na Província de Santa Fé, referindo-se à interferência do governo no setor. Trossero relata que desde o ano passado, quando reduziu drasticamente suas vendas para clientes na Rússia e no Chile, já reduziu seu plantel de 8,5 mil cabeças para 3,5 mil. "Há grande desânimo entre os produtores", afirma Trossero. E isso, segundo ele, não só com os controles de vendas e preços, mas também pela ausência de uma política definida para o setor.

Para compensar os pequenos e médios pecuaristas pela perda de oportunidade no exterior, o governo passou a pagar uma compensação, equivalente à diferença entre a cotação internacional da carne e a local. Os pequenos, donos de 150 a 200 animais, detêm 80% do estoque de gado argentino. Mas isso não foi suficiente e os produtores começaram a abater vacas para abrir espaço em suas terras para os grãos.

Segundo um relatório divulgado este mês pela Câmara da Indústria e Comércio de Carnes (Ciccra), entre janeiro e maio foram abatidas 2,6 milhões de vacas, 834 mil mais que no mesmo período de 2006, representando mais de 70% do abate registrado no país.

Apesar do cenário não muito amigável, o setor continua apostando na retomada. Prova disso é que o país recebeu, nos últimos dois anos cerca de US$ 150 milhões em recursos de investidores externos, entre eles os frigoríficos brasileiros Friboi, Marfrig e a americano Tyson Foods.

Na Exposição de Pecuária, Agricultura e Indústria Internacional Palermo 2007, que abriu sua 121ª edição na quinta-feira, o número de expositores (615) foi recorde, e eles investiram US$ 10 milhões só na estrutura de estandes. "Ninguém acredita que essa situação [de restrições ao comércio] vá perdurar", diz Marcelo E. Fielder, secretário-executivo da Sociedade Rural Argentina (SRA), organizadora da exposição. "A única região que tem possibilidade de crescer na produção de carne em todo mundo hoje é o Mercosul", acrescenta Miguel Gorelik, vice-presidente do Quickfood, para explicar o entusiasmo dos investidores.