Título: Tranco global
Autor: Pavini, Angelo e Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2007, EU & Investimentos, p. D1

A reviravolta dos mercados na semana passada acabou com a alegria dos fundos de investimento, transformando lucros em perdas. Ganharam os conservadores fundos DI, beneficiados pela alta dos juros, enquanto os renda fixa, que possuem papéis prefixados, perderam. Dados do site financeiro Fortuna mostram que, na semana passada, até dia 26, quinta-feira, os DIs acumularam ganho médio de 0,17%, para 0,04% dos renda fixa. E não estão incluídos aí os dados de sexta-feira, outro dia tumultuado, e que deve aumentar a vantagem dos DIs. Vários renda fixa agressivos, como os de mais longo prazo e os concentrados em papéis de inflação ou prefixados, tiveram perdas.

O pior impacto ficou com os fundos de ações - atingidos diretamente pela perda de 7,86% do Ibovespa na semana - e os multimercados - principalmente os que seguem a estratégia macro e aplicam em bolsa. Estes últimos foram pegos no contrapé também nos juros e no câmbio e vários apresentam perdas nas cotas. Na semana, até quinta-feira, os multimercados perdiam na média 1,03% e os fundos de ações, 4,6%, segundo o Fortuna. No ano, porém, ainda havia muita gordura acumulada: 10% nos multimercados e 25% em ações. A recomendação agora é evitar mudanças bruscas de estratégia até se definir a tendência dos mercados.

Até dia 20, julho ia ser o melhor mês do ano para os multimercados, diz George Wachsmann, da consultoria Bawm Investments, com os gestores apostando na queda do dólar e dos juros e na alta da bolsa. "Se o juro e o dólar subiram e a bolsa despencou, não tem mágica, os fundos perdem", diz. Quem ainda está ganhando ou perdendo menos seriam os fundos de arbitragem de ações, os chamados long/short, que em geral não seguem a tendência do índice. "De maneira simplista, esses fundos compram ações de segunda linha e vendem as de primeira linha, que caem mais quando a bolsa despenca", diz o consultor.

Outros que devem ir bem são alguns fundos macro que estavam apostando contra a visão geral do mercado. "Mas esses fundos perderam muito ao longo do ano e o que ganharam agora mal cobre o que deixaram para trás", diz. Wachsmann lembra que, em maio, os multimercados macros já tinham sofrido com a polêmica envolvendo a meta de inflação, que fez o juro subir.

O executivo diz que muitos multimercados fecharão no vermelho este mês. E as perdas devem ter maior impacto na cabeça dos investidores que entraram recentemente no mercado de risco. "Quem está em multimercados ou ações há um ou dois anos está mais calmo, tem uma gordura de ganhos, mas quem entrou agora está mais nervoso", diz. A situação é mais complicada porque o mercado em alta e as campanhas de diversificação dos bancos atraíram muitos novatos, como mostra a migração de fundos DI para multimercados.

Um fator positivo é que a maioria dos multimercados hoje tem carência, o que reduz a pressão sobre os gestores e evita que os investidores saiam correndo e acabem perdendo uma eventual recuperação ou aumentando as perdas, como ocorreu no passado. Boa parte do ganho de 10% desses fundos no ano veio de oportunidades criadas em outras turbulências.

A reversão não foi surpresa para Luis Stuhlberger, sócio da Hedging-Griffo. "Estávamos preparados, já vínhamos falando disso desde maio, mas sempre é difícil prever quando a realização vai acontecer", diz. Para ele, o mundo estava em uma fase onde tanto a variável dos fundamentos quanto a do apetite para o risco eram positivas. Agora, os fundamentos seguem positivos, mas o apetite para o risco ficou ruim. Stuhlberger acha que os mercados não voltam aos níveis anteriores. "Mas os emergentes continuam crescendo e o lucro das empresas americanas segue em alta e o mercado vai reavaliar tudo isso em outra base", diz. Para ele, uma queda do Ibovespa de 10% em relação ao pico de 58 mil pontos é razoável.

A reavaliação do mercado de crédito nos Estados Unidos não deve provocar um impacto significativo na economia, acredita Marcelo Muniz Sócio, da Ciano Investimentos. "Estávamos com com um risco muito baixo, ele subiu, mas daqui para frente podemos capturar oportunidades que surgem em todos os mercados", diz ele, lembrando que os juros, os títulos da dívida brasileira e o dólar subiram bastante e várias ações caíram. "Como economia emergente, é razoável termos uma volatilidade maior que a das bolsas americanas, tanto para cima quanto para baixo". Muniz acredita que o mercado pode demorar para voltar aos níveis anteriores, "talvez meses".

Os multimercados naturalmente sofreram com as quedas dos ativos, mas nada que não estive dentro do mandato dos gestores, diz Francisco Costa, sócio da Personal Investimentos, escritório de aconselhamento financeiro. A instituição acompanha mais de 50 fundos multimercados de 30 gestores independentes e, segundo o executivo, nenhuma carteira chegou a perder 3% na semana. "Esse desempenho, para multimercados muito agressivos, é muito bom", diz.

Segundo a Arsenal Investimentos, escritório de aconselhamento financeiro, no dia 24, houve carteiras multimercados que perderam até 5,40% enquanto outras ganharam 3,70%. A categoria macro foi a mais afetada, com perda média de 0,48% nos dias 24 e 25. Já os fundos de arbitragem entre ativos em diversos mercados foram os que conseguiram se sair melhor, perdendo apenas 0,09%. Os equity hedge, de arbitragem com ações, tiveram perda média de 0,17%, o que mostra que nem todos buscam ficar neutros em relação ao Ibovespa, diz Gustavo Coelho, da área de alocação da Arsenal. Já os trading, em que o gestor busca capturar os movimentos de curto prazo, perderam 0,16%.