Título: Rádio arrendada sem amparo legal
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 08/01/2011, Cidades, p. 27

A concessão da Nativa FM pertence ao senador cassado Luiz Estevão, mas a emissora é administrada por outra pessoa. Especialistas afirmam que a terceirização não está prevista na lei

Os indícios de irregularidade envolvendo a Rádio Nativa FM, ligada ao senador Gim Argello (PTB-DF), podem ir além das promoções. Especialistas ouvidos pelo Correio asseguram não existir amparo legal para o arrendamento de concessão pública. O dono da outorga da Nativa FM é o senador cassado Luiz Estevão. Ele sustenta ser o proprietário da emissora e diz manter com Antônio José Pereira Garcia, o Toninho Pop, um ¿contrato de comodato de equipamento e cessão de conteúdo radialístico¿, com cessão de oito horas diárias de programação. ¿Se ele tem algum tipo de contrato formal ou informal com o Gim (senador Gim Argello) ou qualquer outra pessoa, isso não me interessa. O que me interessa é que ele me paga mensalmente o valor acertado no contrato¿, afirmou.

Denúncias entregues ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) há cerca de um mês apontam indícios de que a emissora faz promoções ilegais, anuncia brindes para pessoas que não existem e até completa o tanque de carros não registrados em qualquer departamento de trânsito. As informações chegaram ao MPDFT no auge do escândalo que levou o senador a renunciar à relatoria-geral do Orçamento da União. O filho dele, Jorge Afonso Argello Junior, 19 anos, era diretor financeiro da emissora até o fim do ano passado. O diretor-geral da rádio, Solano Reis, afirmou que todas as promoções são submetidas à lei e à fiscalização da Caixa Econômica Federal (CEF) e que não há pendências. Quanto a premiações em dinheiro, assegurou que não é por sorteio, mas por meio de concurso cultural, o que é permitido pela legislação (leia O que diz a lei). Reis, porém, não detalhou como é esse concurso.

Após reportagem do Correio, a CEF abriu um procedimento para apurar as denúncias. O órgão regulamenta e fiscaliza a realização de sorteios e a entrega de brindes. O Ministério das Comunicações também anunciou que vai analisar se houve descumprimento das regras de outorga da concessão. A concessão da Nativa FM, antiga Rádio OK, é de Luiz Estevão. Para explorar a concessão da Nativa FM, Toninho Pop paga R$ 100 mil mensais ao senador cassado.

Diretor da emissora, Solano Reis diz ser o responsável por 100% da programação e por todas as promoções. ¿O senador Luiz Estevão não tem ingerência alguma e nenhum poder de decisão na rádio. A concessão é dele, mas quem administra é a Toninho Pop Assessoria e Comunicação e eu respondo pela rádio¿, afirmou. A reportagem procurou Toninho Pop, mas não obteve resposta.

Perguntado se a terceirização da exploração do conteúdo radialístico teria amparo legal, Solano alegou: ¿O ex-senador é um empresário que passou a administração para um profissional com mais de 30 anos de experiência. Não é terceirização. Foi feito um acordo entre um empresário e o radialista¿.

Prática comum Professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, Murilo César Ramos garante que o aluguel de espaços para terceiros não tem amparo legal. Mas, por falta de uma legislação atualizada, é uma prática que se tornou comum no Brasil. ¿A outorga é dada a uma pessoa que se submeteu a um processo legal e tem que ser o responsável pela programação¿, afirmou.

Na opinião de Murilo Ramos, situações como essa ocorrem porque o Ministério das Comunicações não fiscaliza o setor. ¿Espero que o novo ministro das Comunicações entenda o quanto é importante dar prioridade a um novo marco legal para as comunicações brasileiras.¿

Luiz Estevão concorda que arrendar ou transferir a gestão é ilegal e afirma que apenas vende pacotes de horários na grade de programação para produtores independentes. ¿Eu imagino que o Toninho Pop explora oito horas de programação diária. O restante é de responsabilidade minha ou de outros cessionários¿, assegurou. Estevão não soube dizer quantas horas diárias da grade são de sua responsabilidade. ¿Meu envolvimento com a rádio sempre foi pequeno. Nesses 25 anos, nunca assumi pessoalmente a gestão. Sempre mantive funcionários que fizeram esse trabalho¿, disse.

Ex-ministro das Comunicações, o consultor Juarez Quadros explica que é difícil caracterizar o arrendamento da concessão. Para ele, entregar 100% da grade para terceiros, em princípio, não é permitido. ¿Pode-se alugar determinados horários para produções independentes, mas não a totalidade. Se a terceirização ficar caracterizada, isso não pode. A exploração do serviço é da pessoa que se habilitou para ter a concessão. O terceiro não se submeteu a avaliação¿, avaliou.

Mais de uma vez, Solano Reis garantiu que o acordo entre Toninho Pop e Luiz Estevão não caracteriza terceirização da concessão pública. Assegurou ainda que o senador Gim Argello nunca esteve na rádio e não tem envolvimento com a emissora. ¿Dizer que as promoções são mantidas por emendas do senador é um absurdo. O filho dele era sócio de uma empresa que administrava a emissora, mas rompemos o contrato após as denúncias¿, afirmou Reis.

O que diz a lei

A Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, estabelece critérios e normas sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda em emissoras de rádio e televisão. De acordo com o artigo 1º, a distribuição de prêmios depende de autorização da Caixa Econômica Federal (CEF). O banco também é responsável pela fiscalização das premiações que envolvem sorteios. O parágrafo 3º do artigo 1º da referida lei veda a entrega de dinheiro vivo ou conversão dos brindes em moeda. A distribuição de prêmios só pode ocorrer como resultado de concursos exclusivamente culturais, artísticos, desportivos ou recreativos.

Opinião do internauta

Leitores comentaram, no site do Correio, reportagem do jornal que mostra que a rádio ligada aos Argello passará por investigação. Leia alguns trechos:

Dimas Moreira ¿A reforma política (se vier) deverá evoluir para banir a figura do suplente. Parlamentar eleito é para exercer o mandato, se se licenciar ou renunciar/morrer/for cassado que assuma o seguinte mais votado. Este Sr. Gim não recebeu um voto sequer e está aí sob o manto da imunidade aprontando todas.¿

Moaci Silva ¿Tem uma operadora de telefônica que está igual à radio do senador Gim: promete bônus, mas eles nunca aparecem e, claro, espero que não sejam do Gim.¿

Jullior Moura ¿Eu já falei, o Legislativo é o câncer da sociedade. Seja qual for a esfera, é um ninho de ratos e ladrões. Já que é para viver sendo roubado, que fique somente o Executivo com a conivência do Judiciário, que é outro que tem o rabo preso.¿

Paulo Castro ¿Gim, sinto informar, mas seus dias no Congresso estão contados. Vai voltar a corretar? Vou ver se na minha imobiliária tem um lugarzinho para Vossa Excelência.¿

Tânia Viana ¿Enquanto esperamos que a Justiça lenta, manca e desinteressada, criada pelos políticos se manifeste, o Brasil se empobrece a cada segundo de saúde, educação, obras de infraestrutura, decência, dignidade e respeito. Até quando ficaremos passivos com esses corruptos? Está começando a ficar difícil ser passivo.¿

Geyson Alves ¿O negócio está ficando é moderno, agora estão roubando até via rádios, daqui a uns dias vai ser via Bluetooth.¿

Rosângela Barros ¿É uma vergonha esse nosso país. Os políticos nos fazem de idiotas o tempo todo e o Judiciário nada faz. Um detalhe, esses prêmios são com o nosso dinheiro. É mais um escândalo que vai sair impune.¿

José Pereira Silva ¿Ué, engraçado dizer que esse Jorge não tem vínculo com a rádio, eu mesmo já participei de uma promoção que dizia: `Quer quitar sua dívidas? O Jorge paga!¿ Não ganhei, né? Tinha também uma para passear de helicóptero com o Jorge. É o Brasil, minha gente.¿