Título: Klabin aposta R$ 2,2 bilhões para se firmar em especialidades
Autor: Vieira, André
Fonte: Valor Econômico, 31/07/2007, Empresas, p. B6

Entre as manias da indústria de celulose e papel, uma delas diz respeito à tradição administrativa de enumerar as máquinas de produção de cada companhia. A Klabin vai começar a operar em outubro no seu complexo industrial de Monte Alegre, no município de Telêmaco Borba (PR), a 245 quilômetros de Curitiba, sua máquina de produção de papel nº 9 sem nunca antes ter posto a funcionar a máquina nº 8. A explicação dos dirigentes é que um incêndio ocorrido em 1983 impediu o plano de instalar a máquina nº 8, que havia sido encomendada no exterior. "A necessidade de recuperação de algumas áreas levou a Klabin a postergar o investimento. Na seqüência, o projeto foi abandonado", diz o diretor industrial da empresa, Arthur Canhisares.

Por superstição, a Klabin decidiu apelidar o novo equipamento de número nº 9, convencida de que o investimento de R$ 2,2 bilhões no projeto da maior máquina de papel do Hemisfério Sul terá um destino promissor. Instalada em um galpão de 300 metros de comprimento, que se colocado de pé teria a altura de um prédio de 100 andares, a nova máquina pode produzir quase mil toneladas de papel por dia em sua capacidade de 350 mil toneladas por ano. Quando os 64 cilindros de vapor começarem a girar e uma folha acartonada de papel de três camadas de celulose com a largura de 6,6 metros sair da máquina nº 9 a uma velocidade de 800 metros por minuto, a Klabin estará diante do seu maior desafio dos últimos anos.

Diferente de Aracruz, Votorantim, Suzano e Cenibra, focadas hoje em celulose, a Klabin produz mais papel que qualquer outra empresa do setor no país e faz questão de continuar assim. Quando a nova máquina operar a plena capacidade, no início de 2009, a empresa chegará a produção de 2 milhões de toneladas de papel por ano. Antes da crise em que se viu obrigada a encolher em 2002, a Klabin produzia mais do que isso. A diferença é que agora a empresa investe em papéis de maior valor agregado, menos vulneráveis à oscilação de preço. "O papel-cartão não é uma commodity; é um nicho de mercado onde navegam apenas grandes empresas, tanto produtoras como clientes", diz o diretor-geral da Klabin, Miguel Sampol, brasileiro naturalizado que veio com a família da Espanha ainda jovem.

A aposta neste nicho pela Klabin é tão grande que nem bem começou a nova produção, que quase dobrará a capacidade de papel-cartão para 740 mil toneladas, a empresa anunciou na semana passada os estudos para operar a máquina de nº 10, também de cartão, a partir de 2010. A idéia é aproveitar parte da infra-estrutura investida para adicionar outra máquina de pelo menos 350 mil toneladas por ano. Com o projeto atual, chamado de MA 1100, a Klabin poderá engordar sua receita em quase R$ 1 bilhão, aumentar a geração de caixa em cerca de R$ 400 milhões e ajudar a mudar o perfil da companhia. A proporção de papel-cartão sobre o total produzido pela empresa subirá de 25% para 40%. Em 2006, o faturamento da empresa chegou a R$ 2,6 bilhões.

A Klabin quer tirar proveito das especialidades para fugir da commoditização. O papel-cartão custa cerca de US$ 200 por tonelada acima do kraftliner, até então o produto líder da Klabin. Diante de uma demanda crescente por produtos industrializados em economias emergentes, a expectativa é que a cada vez mais chineses, indianos e brasileiros consumam mercadorias embaladas em papel-cartão. Hoje, esse mercado movimenta 28 milhões de toneladas, dos quais 14 milhões são de fibras virgens, ou seja, de árvores plantadas para a produção de celulose e papel. Porém, a Klabin ainda assim seria pequena.

O nicho ao qual Sampol se refere, contudo, é mais concentrado nas embalagens chamadas "liquid packaging board", cuja forma mais conhecida dos brasileiros é a do leite longa vida, capaz de isolar líquidos e alimentos de temperaturas tórridas. Criadas pela TetraPak, a gigante sueca, essas embalagens mesclam folhas de alumínio, polietileno e papel-cartão. Trata-se de um mercado de 2 milhões de toneladas por ano, disputado não por mais do que dois ou três grandes fabricantes, como as européias Stora Enso e Körnäs.

Sampol diz que uma das grandes vantagens do modelo da Klabin será o fato de conseguir produzir embalagens com baixa gramatura, isso permite economia no transporte do produto e rigidez no manuseio de mercadorias embaladas. Parece uma obsessão desmedida da companhia, mas os técnicos da empresa fazem as contas, dizendo que as embalagens não pesam mais do que 10% a 15% do peso total dos produtos embalados.

Para chegar a este tipo de papel cartão, a empresa terá uma linha de produção pelo processo de pasta mecano-química (CTMP), que conserva melhor as características das fibras de eucalipto. "Neste processo, o rendimento da madeira transformada em celulose costuma atingir 90%", explica Francisco Razzolini, diretor responsável pelo projeto MA 1100. A Klabin calcula que seu custo, por causa do manejo florestal, da energia e da mão-de-obra mais baratas, seja 20% menor do que os produtos das rivais internacionais.

A Klabin busca crescer na esteira dos negócios fechados por grandes empresas, como a TetraPak, sua maior cliente. Do total das receitas da Klabin, a TetraPak é responsável pela geração de 15% do faturamento da empresa brasileira e, com a nova máquina, deve responder por cerca de 25%. "Não acho um número exagerado", afirma Sampol. Certas fabricantes brasileiras de celulose, em alguns casos, chegam a ter 60% de suas receitas com apenas dois clientes.

Com a TetraPak, a Klabin já chega aos mercados latino, europeu e asiático. A nova produção, que tem mais da metade já comprometida contratualmente, permitirá a empresa brasileira aumentar os volumes. A companhia, que já exporta mais de US$ 300 milhões por ano, deve vender mais de US$ 50 milhões para Cingapura e, dali, entrar em mercados como Malásia, Indonésia, Tailândia, Filipinas e Vietnã. A Klabin também deve elevar sua fatia nos Estados Unidos. Sampol acredita também que esse tipo de parceira permite melhorar o padrão de qualidade. "Em 2006, fomos escolhidos pela TetraPak em três dos quatro trimestres como o melhor fornecedor da empresa", diz o diretor-geral da Klabin.

O repórter viajou a convite da Klabin