Título: "Ninguém consegue colocar mais gente nas ruas do que eu", diz Lula
Autor: Costa, Raymundo e Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2007, Internacional, p. A6

A exemplo do que ocorreu no auge da crise do mensalão, em 2005, quando atingiu os índices mais baixos de popularidade de seu mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou o lançamento de um programa de governo, ontem, em Cuiabá, para atacar e lançar um desafio à oposição: "Se alguns quiserem brincar com a democracia, eles sabem que ninguém neste País sabe colocar mais gente nas ruas do que eu", disse, numa alusão ao Movimento Cívico pelos Direitos dos Brasileiros, o "Cansei".

Lula foi a Cuiabá (MT) para anunciar a liberação de R$ 521,5 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para obras de saneamento básico no Estado. Discursou em auditório fechado, o Centro de Eventos do Pantanal. Do lado de fora, entre 60 e 70 manifestantes vaiaram o presidente, como já ocorrera no Nordeste. Após o acidente com o vôo 3054 o presidente deveria ter ido ao Sul do país, também para liberação de verbas do PAC, mas cancelou a agenda. No Planalto, assessores dizem que foi detectada uma queda na popularidade do presidente, mas nada alarmante. Em Cuiabá, Lula disse que as vaias não vão afastá-lo das ruas.

No governo, há divisão sobre o tom da resposta a ser dada à oposição. Lula preferiu seguir os "falcões" do PT, pelo menos no que se refere ao discurso. No início da semana, com a manifestação do "Cansei" em São Paulo, que foi mais um tributo às vítimas do vôo 3054 que uma manifestação política, circulou no Planalto a idéia de responder com manifestações de rua dos movimentos populares que apóiam o governo. A idéia foi descartada, por ser considerada desnecessária politicamente. Pelo menos por enquanto.

Quando Lula foi ameaçado de impeachment, na crise do mensalão, esses movimentos foram acionados para dar sustentação ao governo. Um ministro que sempre é acionado, nessas ocasiões, ontem demonstrava despreocupação. "Esse movimento (Cansei) não tem apelo popular", explicou, com desdém. Antes do enfrentamento nas ruas, governo e PT devem fazer o o que no jargão do partido é chamado de "enfrentamento político".

A começar pela denúncia da inspiração golpista da oposição, como aliás também ocorreu na crise de 2005. No discurso de Cuiabá, Lula disse que não mistura suas relações pessoais com a questão partidária, mas ressaltou tem gente que não pensa assim: " Essa gente fez a Marcha com Deus pela Liberdade em 1964, que resultou no golpe militar; essa gente levou Getúlio Vargas ao suicídio; essa gente levou o João Goulart a renunciar; essa gente ficou contente com 23 anos de regime militar e está incomodada com a democracia".

Lula também vê um embate eleitoral nas manifestações. E o que chama de lado "mesquinho" da política: "Quem perde fica dentro de casa acendendo vela cabeça de galo, cabeça de urubu, fazendo coisa para que não dê certo. Mas isso é de uma imbecilidade total, chega a ser uma coisa quase que insana". Lembrou da campanha de 2006 e o tucano Geraldo Alckmin: " Ele, que era um gentleman, virou quase que coisa louca na TV, brabo, nervoso".

Na reunião da Coordenação Política, anteontem, coube ao ministro-chefe da Secretaria-Geral da presidência, Luiz Dulci, fazer um relato sobre o movimento "Cansei", organizado pelo apresentador de televisão e ex-ministro João Dória (Turismo, no governo Collor) e pelo publicitário Nizan Guanaes, publicitário da campanha de José Serra nas eleições de 2002. Dulci, que é do PT, tentou fazer associação entre o movimento e o senador Marco Maciel, do Democratas de Pernambuco. Lembrou que o presidente da Phillips, Marcos Magalhães, é amigo próximo de Maciel e publicou anúncio nos jornais apoiando o movimento.

Outros ministros procuraram desfazer a associação. "Trata-se de manifestação de um setor da sociedade insatisfeito com o governo", ponderou um deles. O protesto, avaliou-se, é de setores da classe média, mas não de toda ela. Lula não opinou sobre o assunto, embora seus assessores admitam que ele fica profundamente irritado quando vê empresários protestando contra o governo. Em Cuiabá, Lula pôs em letra de forma a irritação relatada por seus ministros: "Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar aplaudindo", disse o presidente. "Foram os que ganharam muito dinheiro nesse País no meu governo. É só ver quanto ganharam os banqueiros e os empresários".