Título: Receitas dão um salto e investimentos não andam
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Fonte: Valor Econômico, 01/08/2007, Opinião, p. A12

O superávit primário público consolidado voltou ao que era antes da revisão do Produto Interno Bruto. Ele fechou em 3,88% no ano passado e atingiu nos últimos 12 meses 4,3%. A meta fiscal para o ano é de 3,8% do PIB e, se todo o dinheiro previsto para o Programa Piloto de Investimentos for desembolsado, cairá para 3,3%. A elevação do superávit, no entanto, não significa que o governo está se empenhando para conter gastos. Há um extraordinário avanço das receitas - a carga de tributos já cresceu 0,5% do PIB no ano - e um desempenho tímido dos investimentos.

Considerados os primeiros semestres deste ano e o de 2006, houve um avanço de dois dígitos nos tributos federais. O crescimento nominal de janeiro a junho deste ano atingiu 13,1% - 8,5% reais - e o do ano passado, 11,1%. O crescimento econômico tem empurrado fortemente a arrecadação federal e dos Estados, a ponto de sepultar as conversas para a revisão dos termos da renegociação das dívidas estaduais. Como revelou o novo secretário do Tesouro, Arno Augustin ao Valor (30 de julho), os Estados estão agora com melhor "equação fiscal" e não será preciso nenhuma flexibilização (temerária) na Lei de Responsabilidade Fiscal para acomodar pressões políticas.

A expansão da carga tributária já deveria há muito ter aberto espaço para corte gradual e generalizado de impostos e para um comportamento mais flexível do governo nas negociações com o Congresso para prorrogar a CPMF - há espaço para que as alíquotas sejam cadentes ao longo do tempo sem implicar grande sacrifício de aperto de despesas. O governo Lula volta a mobilizar sua enorme base de apoio para votar a prorrogação pura e simples da CPMF, mas não mostra ao menos o mesmo esforço para fazer andar a reforma tributária.

A meta fiscal para o ano é sensata, mas ela está sendo ultrapassada por motivos inesperados ou pouco alvissareiros - os gastos com investimentos não andam. Para um governo que passou seus primeiros quatro anos reclamando do esforço fiscal que lhe impedia realizar despesas necessárias ao crescimento, não deixa de ser surpreendente. Não se pode alegar, tampouco, que não houve tempo para planejar os investimentos. Após se engalfinhar com o FMI por anos, o PPI foi aceito, mas este já é o segundo exercício em que a União ou não consegue apresentar projetos suficientes ou então executar os que apresenta tempestivamente. Até junho, a União gastou só R$ 1,18 bilhão dos R$ 11,3 bilhões previstos no PPI. Na conta geral de investimentos, os dispêndios no primeiro semestre foram um pouco maiores - 29,9% do total de R$ 24,4 bilhões previstos para o ano.

Isto indica que os projetos do Programa de Aceleração do Crescimento também padecem de morosidade na execução. É certo que não basta apertar um botão para que os projetos saiam prontos, licitados conforme a lei e prestes a serem executados. A inércia burocrática tem vencido qualquer prioridade, mas ainda assim a execução deixa muito a desejar, especialmente quando se considera que um volume significativo dos projetos do PAC já existem há anos e vários vêm desde o governo de Fernando Henrique. A falta de infra-estrutura ameaça o crescimento e é um obstáculo maior à manutenção do atual ritmo de expansão. Agora há dinheiro para as obras, as prioridades foram definidas e, no entanto, as coisas não andam com a velocidade que a necessidade exige.

Por outro lado, o enorme avanço das receitas acomoda o forte aumento dos gastos com salários, que sofreram grande impacto do aumento do salário mínimo decretado em 2006. As despesas com pessoal subiram 12,77% no primeiro semestre, enquanto que as de custeio e capital cresceram 12,98%. O governo prometeu conter as despesas com pessoal, limitando-as a um aumento real de 1,5% no conjunto da folha do funcionalismo. A iniciativa trombou com o "realismo" magnânimo da base aliada governista, que não quer ouvir falar do assunto e tenta no Congresso ou simplesmente derrubar o projeto ou indexá-lo mais generosamente à taxa de crescimento do PIB. O governo se esforça entre os congressistas para prorrogar a CPMF, mas nem de longe exibe o mesmo empenho para limitar essas despesas, ainda que timidamente, a única neste sentido que prometeu no anúncio do PAC.