Título: Odebrecht e Camargo Corrêa acirram briga pelo Madeira
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2007, Empresas, p. B7

Representantes da Camargo Corrêa e da Odebrecht estiveram no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, em reuniões separadas, para tratar da licitação das hidrelétricas do Rio Madeira.

No primeiro encontro, representantes da Camargo Corrêa alegaram ao Cade que o acordo de exclusividade feito pela Odebrecht com fornecedores de produtos considerados essenciais ao leilão - caso das turbinas e geradores tipo Bulbo que serão usadas nas usinas - torna extremamente difícil a competição na licitação. Eles perguntaram ao órgão antitruste sobre a viabilidade de ser instaurado um processo administrativo para investigar a suposta conduta anticompetitiva por parte da Odebrecht.

No segundo encontro, representantes da Odebrecht apresentaram uma lista de fornecedores que podem vender turbinas à Camargo Corrêa e outros interessados na licitação das duas hidrelétricas . Eles admitiram que fizeram acordos de exclusividade com três fornecedores, mas ressaltaram que existem mais de dez aptos a fornecer os produtos necessários às obras do complexo Madeira.

Os representantes da Odebrecht disseram ainda que a Camargo Corrêa não apostou no leilão do Madeira, pois acreditava que a licença ambiental às obras não sairia neste ano. Assim, segundo a tese da Odebrecht defendida junto ao Cade, a Camargo Corrêa não se preparou adequadamente para o leilão e, por isso, agora, está reclamando. A Odebrecht alegou que faz estudos sobre as hidrelétricas do Madeira desde 2001 e, portanto, foi firmando contratos com fornecedores à medida que o projeto avançava.

A reunião com representantes da Camargo Corrêa foi realizada na quinta-feira passada na sede do Cade, em Brasília, por requisição do gabinete da presidente do órgão antitruste, Elizabeth Farina. Após este encontro, representantes da Odebrecht também pediram para ser ouvidos e foram convocados pela presidência do órgão antitruste para uma reunião que aconteceu na tarde desta segunda-feira, no edifício do Ministério da Fazenda, em São Paulo, onde Farina despacha quando está na capital paulista.

Os representantes da Odebrecht alegaram que não formalizaram nenhum documento sobre o leilão junto ao Cade primeiro porque acreditam que não existe qualquer ilegalidade nos seus contratos com fornecedores. A empresa disse que os contratos de exclusividade são uma prática comum no mercado. E, em segundo lugar, o consórcio ainda não foi notificado ao Cade porque o leilão ainda não aconteceu. A Odebrecht informou ao Cade que está seguindo a jurisprudência recente do órgão, pela qual só devem ser notificados os consórcios vencedores de leilões. Como o leilão não ocorreu, a Odebrecht não se sentiu obrigada a notificar o seu consórcio com Furnas. O fará se vencer a licitação.

Na Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, técnicos estudam o caso informalmente, pois, oficialmente, não foi formalizado nenhum pedido por parte das companhias que pretendem disputar o leilão do Madeira. Mas a Camargo Corrêa confirma que entrou com um pedido de representação contra o acordo de exclusividade entre Odebrecht e os fornecedores Voith-Siemens, Asltom e VA Tech. "Fomos mostrar a importância dos equipamentos no peso da obra e na concorrência", afirmou.

Há duas correntes de pensamento na secretaria. Primeiro, a que acredita que podem existir problemas nos contratos de exclusividade, caso a Camargo Corrêa ou outras concorrentes não tenham acesso a outros fornecedores de turbinas. Se prevalecer esta corrente, será aberto processo administrativo para investigar os contratos da Odebrecht e os fornecedores de turbinas serão convocados para prestar informações. Mas, a segunda corrente acha que o caso deve ser analisado como ato de concentração (associação de empresas para disputar um leilão). Segundo essa linha, se não existem indícios desta suposta conduta anticompetitiva por parte da Odebrecht, não haveria motivos para realizar uma investigação. Assim, o consórcio da Odebrecht deveria ser julgado da mesma forma que o Sistema de Defesa da Concorrência analisa outros negócios: como uma associação entre empresas.

O que os técnicos discutem é a possibilidade de os acordos com fornecedores serem julgados como ilegais no futuro. É uma hipótese ainda remota. Mas, os técnicos raciocinam da seguinte forma: "Vamos supor que o Cade julgue o acordo ilegal no futuro. Qual será a conseqüência? O Cade mandará desfazer o leilão?"

Este seria o problema: o órgão antitruste pode mandar desfazer o leilão de hidrelétricas estimadas em US$ 13 bilhões depois de sua realização? Formalmente, sim. Mas, na prática, isso seria um problema. "É uma questão concorrencial envolvendo a maior obra do PAC (o Programa de Aceleração do Crescimento, do presidente Lula) e ainda não sabemos como processar isto", admitiu um técnico.

Segundo informações da Camargo Corrêa, do valor total da obra, 85% compreendem o chamado contrato EPCista (construção e montagem). Quase 30% desse percentual seriam gastos com as compras de turbinas, geradores e equipamentos hidromecânicos e que grande parte deles pode ser fabricada aqui (73%). Porém, os fornecedores com unidades no país já estão amarrados com a Odebrecht no acordo de exclusividade.

A importação - de empresas da China, Japão, Canadá e Rússia - passaria de 27% para 100% no fornecimento. Para a Camargo, isso criaria uma desvantagem aos outros concorrentes que, além de terem um custo a mais de R$ 8 a R$ 10 por MWhora, não poderiam obter financiamento do BNDES para esses equipamentos. (Colaborou Ivo Ribeiro, de São Paulo)