Título: Receita multa em R$ 8,5 bi ex-controladas da Parmalat
Autor: Talita Moreira e Carolina Mandl
Fonte: Valor Econômico, 20/01/2005, Empresas &, p. B3

Duas empresas que já estiveram ligadas à estrutura societária da Parmalat no Brasil foram autuadas pela Receita Federal em R$ 8,5 bilhões, entre outubro e novembro do ano passado. O Valor teve acesso aos processos administrativos abertos pela secretaria contra as empresas. Uma delas, a Carital, recebeu punição no total de R$ 7,4 bilhões. Sua controlada, a Zircônia, foi autuada em R$ 1,05 bilhão. Os valores referem-se a imposto de renda e contribuições sociais que não foram recolhidos pelas duas empresas apenas no exercício de 1999. Hoje, não há mais vínculo societário entre a Carital e a Zircônia e a Parmalat. Mas, naquela época, conforme documentos, a Carital era controlada pela múlti italiana. A ligação entre elas e a Parmalat foi desfeita em dezembro de 1999. Um processo de cisão da Carital, que na época tinha ativos operacionais, resultou na criação da Parmalat Participações, hoje a holding do grupo no país. Na mesma data, o que restou da Carital mudou de mãos. A empresa passou a ser controlada pela Carital Distributors, uma "off shore" com sede nas Antilhas Holandesas. Na época, a Parmalat estava reestruturando suas atividades no Brasil. Em vez de controlar diversas empresas, a multinacional decidiu consolidar seus ativos em duas companhias: a Parmalat Alimentos, operacional, e a Participações. O advogado Sergio Alambert, que representa os executivos da Carital e da Zircônia, afirma que cabe à Parmalat arcar com os passivos das duas empresas. Primeiro, porque na época a Carital (e a Zircônia, sua controlada) era controlada pelo grupo italiano. Segundo, porque a Carital foi transformada na holding do grupo no país. Terceiro, porque dívidas da Carital e da Zircônia eram pagas pela Parmalat até 2003, embora já não houvesse mais vínculo societário. Alambert alega que, na reestruturação da Parmalat, a Carital e a Zircônia foram esvaziadas. "Isso é fraude. Levaram o patrimônio e deixaram apenas as dívidas", diz. Desde então, o presidente da Carital, Francisco Mungioli, e o da Zircônia, Carlos Alberto Padetti, vivem de administrar esses passivos, afirma o advogado. Padetti tem participação acionária nas duas empresas. Procurados, os executivos não quiseram dar entrevistas. Alambert afirma que enviou recurso à Receita, alegando que a maior parte dos valores cobrados já prescreveu. Mas, quando vier a autuação final, o advogado diz que entrará na Justiça para tentar provar a responsabilidade da Parmalat sobre as duas empresas. A Receita Federal não quis comentar o caso, respeitando o sigilo fiscal. Se a autuação de alguma forma recair sobre a Parmalat, o grupo terá de assumir um passivo quatro vezes maior do que o declarado no processo de concordata, que corre na 29ª Vara Cível de São Paulo. A Parmalat Alimentos e a Participações estão em concordata desde agosto e reconheceram dívidas de R$ 500 milhões e R$ 1,6 bilhão, respectivamente. O grupo italiano entrou em colapso no fim de 2003, quando veio à tona um bilionário escândalo contábil. O atual presidente da Parmalat no Brasil, Nelson Bastos, afirma que não pode comentar o assunto porque os processos da Receita correm sob sigilo fiscal e somente os acionistas das empresas têm acesso à autuação. O executivo ressalta que, desde 1999, não há mais relação societária entre a Parmalat e a Carital e a Zircônia. "Tudo leva a crer que desde aquele momento em 1999 sua ligação societária (da Carital) se dava com os próprios membros da família Tanzi, que então detinha o controle da Parmalat SpA e que dela estão completamente afastados desde o fim de 2003", afirma. Segundo Bastos, se houve alguma fraude nessas empresas, a responsabilidade é dos antigos gestores da Parmalat. "Quem tem culpa que pague", afirmou ele. O caso vem à tona no momento em que a Parmalat tenta finalizar um acordo com seus principais credores financeiros (17 bancos). A existência de passivos adicionais desse porte reduziria a capacidade de pagamento da empresa. Segundo o advogado de um dos credores, que preferiu não ser identificado, uma preocupação dos bancos é justamente conhecer bem a estrutura societária atual e passada do grupo no país para evitar que, no acordo, troquem seus créditos por títulos de uma empresa que tem outros passivos ocultos. Documentos disponíveis na Junta Comercial de São Paulo mostram que a Carital e a Zircônia tinham uma ampla atividade financeira. Ao prestar depoimento na Itália no começo de 2004, um ex-contador da Parmalat, Gianfranco Bocchi, mencionou a Carital e a Wishaw (empresa do grupo no Uruguai) como o destino de "montes de dinheiro" desviados pela matriz.