Título: Os juros e a competição no sistema financeiro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/08/2007, Opinião, p. A12

O peso da inadimplência nos juros bancários voltou a aumentar em 2006, mostra diagnóstico anual do Banco Central (BC) sobre economia bancária e crédito, divulgado na semana passada. A principal conclusão é que reduções adicionais nos juros bancários ficarão cada vez mais dependentes de reformas que estimulem a competição no sistema financeiro, reforcem os diretos dos credores e reduzam as assimetrias de informações.

A inadimplência respondeu em 2006 por 43,4% do chamado "spread" bancário, que é a diferença entre os juros pagos pelos bancos para captar depósitos do público e as taxas cobradas nas operações de crédito. A tendência de alta é clara. Um ano antes, em 2005, a inadimplência representava 35,9% do "spread", e, cinco anos antes, 30,7%.

O aumento do peso da inadimplência se explica pelo maior volume de crédito em atraso. As operações vencidas e não pagas há mais de 90 dias subiram de 4,2% para 5% no ano passado. Cresceu tanto a inadimplência nos empréstimos a pessoas físicas (6,7% para 7,6%) como empresas (2% para 2,7%).

O movimento não tem nada a ver com oscilações típicas dos ciclos econômicos. Na verdade, era de se esperar justamente o contrário, ou seja, que a expansão da atividade levasse a uma redução no descumprimento dos contratos de empréstimos. A inadimplência está ligada à expansão do crédito, de 20,2% em 2006, que levou os bancos a explorarem nichos antes não atendidos, com maior risco.

É o caso, por exemplo, do segmento de baixa renda, que até então financiava seu consumo diretamente nas redes varejistas. E também das microempresas, que estavam à margem do sistema financeiro, buscando financiamentos em "factorings" ou até mesmo em agiotas. Um estudo divulgado no relatório do BC, feito pelos economistas Márcio Nakane e Sérgio Koyama, aponta que as microempresas pagam juros médios de 71% ao ano, mais que o dobro dos 31% pagos pelas médias e grandes empresas.

Não se pode punir os bancos por cobrarem mais. Estamos diante de uma falha de mercado clássica, conhecida como assimetria de informações, descrita em 1970 pelo economista George Akerlof. As instituições financeiras não têm informações suficientes para apontar quais clientes são bons pagadores. Para compensar os riscos, acabam cobrando juros mais altos de todos, o que afasta os que cumprem rigorosamente as obrigações.

No limite, essa imperfeição pode levar mesmo à morte do mercado de crédito. A teoria econômica recomenda a presença do Estado para corrigi-la, ou pelo menos atenuá-la. Com esse objetivo, o governo enviou em 2005 ao Congresso um projeto de lei que cria o cadastro positivo de crédito. Hoje, só existem cadastros com informações de quem não paga as contas. No novo tipo de banco de dados, irão constar informações de adimplência, como quitação de contas de luz e água, o que tende a favorecer sobretudo os mais pobres e as microempresas.

É tão lenta a tramitação do projeto no Congresso que o governo chegou a cogitar a edição de uma medida provisória. Desistiu diante da constatação de que essa seria uma base legal muito frágil para estimular investimentos privados na criação de um cadastro positivo. Agora, a prioridade é a negociação no Congresso, depois de o projeto sofrer profundas modificações na Comissão de Defesa dos Consumidores da Câmara.

É certo, não adianta corrigir problemas de assimetria de informações sem lidar com uma outra falha de mercado fundamental: o poder de mercado exercido pela indústria bancária. Fazer uma coisa sem a outra irá apenas aumentar os lucros das instituições financeiras.

Sabe-se que os clientes têm pouca mobilidade para procurar as taxas de juros mais baixas no mercado. Os poucos que têm acesso a mais de um banco aproveitam as oportunidades. Clientes com contas em vários bancos pagam juros até 35% menores do que quem trabalha com um só, segundo Nakane e Koyama.

A regulamentação da conta-salário já foi um bom começo para ampliar a competição, apesar de o governo ter concedido aos bancos um extenso período de transição, até 2011. Mas é preciso ir além. Economias desenvolvidas têm adotado soluções mais profundas para a questão, como, por exemplo, a portabilidade dos números das contas bancárias.