Título: Maré de baixa
Autor: Vieira, Catherine e Cotias, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 06/08/2007, EU & Investimentos, p. D1

Prejuízo no mercado financeiro é contagioso e, quanto maior, mais preocupação causa nos investidores em geral. Foi o que se viu na semana passada, quando as perdas com o "subprime", créditos imobiliários de risco americanos, se espalharam para outros fundos de risco e ativos, caso das bolsas de países emergentes, e que não necessariamente têm problemas. Mas, como diz o ditado, à noite, todos os gatos são pardos e, na hora do desespero, os investidores fogem de qualquer risco. Foi o que fez o Índice Bovespa fechar em queda de 3,4% na sexta-feira e de 8,9% em nove dias. Mas o importante, alertam analistas, é que o investidor não se deixe contaminar por esse nervosismo, avalie suas aplicações e até aproveite as pechinchas que podem estar surgindo - afinal, se os especialistas falavam em oportunidades com o Ibovespa a 58 mil pontos, deve haver mais algumas agora, a 52.846 pontos. Ou seja, é preciso ver direito a cor do gato.

No curto prazo, a volatilidade tem tudo para continuar na Bovespa e os riscos de perda para o investidor são maiores do que um eventual ganho, considera o chefe de análise da Bradesco Corretora, Carlos Firetti. Para ele, os desdobramentos da crise das hipotecas de alto risco no mercado americano não são de resolução rápida, não se desanuviam com a divulgação de um ou outro dado econômico e o problema ainda deve se arrastar por algum tempo. Os efeitos sobre o crédito corporativo e sobre os fundos que detinham papéis lastreados no "subprime" ainda não foram de todo mensurados.

O mercado brasileiro é muito dependente do americano, com a diferença que aqui os ativos são muito mais voláteis do que lá, lembra Márcio Rochwerger, diretor-executivo da área de ações do Morgan Stanley. "Ainda não se sabe ao certo o tamanho dos problemas de 'subprime' e de operações alavancadas pelos bancos, nos EUA, portanto, no curto prazo, o rumo do mercado ainda é incerto." Muitos analistas no exterior não têm idéia do que ocorre atualmente e se limitam a explicar as oscilações diariamente, diz ele. Rochwerger recomenda que os investidores fiquem fora do mercado de ações agora, dada a incerteza de curto prazo. "Os investidores de longo prazo, principalmente os mais iniciantes, devem avaliar se têm estômago para agüentar essas oscilações, freqüentes no mercado."

Apesar de não vislumbrar mudanças nos fundamentos locais, com perspectivas de o Brasil continuar crescendo, Firetti, do Bradesco, assinala que serão os voláteis fluxos internacionais, que não distingüem uma economia da outra em momentos de maior aversão ao risco, que ditarão o comportamento das ações brasileiras. No longo prazo, olhando o desempenho da economia européia, chinesa e até mesmo a americana, Firetti não enxerga, pelo menos por ora, nenhum cenário de desaceleração. "Mesmo com uma correção agora, os fundamentos prevalecem e, no médio e longo prazos, os preços tendem a se recuperar", diz o executivo.

A crise do "subprime" é temporária, mas é preciso aguardar fatos novos, "há rumores de contaminação de bancos na Alemanha, por isso o mercado fica muito incerto no curto prazo", diz Olímpio Matarazzo, do Pátria Investimentos. Ele acredita, porém, que a situação está distante de contaminar a economia mundial. "Hoje, todos querem saber de quanto são as perdas e de quem são, mas o mercado está preparado para absorvê-las", diz. Para ele, quando acabar a incerteza, "talvez daqui a algumas semanas", a tendência dos mercados ficará mais clara.

Segundo ele, nada leva a crer que a crise atual seja diferente da que aconteceu no início do ano com a China e, depois que conseguir mensurar a perda, o mercado volta. Ele vê a economia mundial ainda aquecida, em alta de 5,2% como prevê o FMI, mesmo com os EUA crescendo menos, na faixa de 2% ao ano. "É novidade para o mercado não ter tanta dependência do crescimento americano", diz ele, lembrando que China e Índia devem continuar com um aquecimento econômico forte, assim como o Brasil.

O momento é de cautela, diz o sócio da Ciano Investimentos e ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn. Segundo ele, é preciso ficar atento à economia dos EUA, mas ainda é cedo para saber se um cenário de desaceleração mais forte da economia americana vai realmente se concretizar. Ele nota que vários indicadores saíram piores na semana passada, o que é, no mínimo uma "coincidência infeliz". "Claro que esses dados são voláteis, é preciso monitorar como vão se comportar por um período maior". Goldfajn acredita, porém, que os fundamentos do Brasil são bons. "Em algum momento essa crise mais acentuada acaba, a questão é acertar o momento", diz.

Esses choques que ocorrem periodicamente são bons para lembrar os investidores de que as bonanças não duram para sempre, avalia Pedro Rudge, sócio da Investidor Profissional. Mas se é difícil saber a extensão da crise, para a IP, diz Rudge, essa não é a principal preocupação. "Para quem tem horizonte de longo prazo e foco no fundamento da empresa, as volatilidades de curto prazo se tornam menos relevantes", avalia ele. "Na verdade, esses momentos acabam criando as oportunidades e são nessas janelas que conseguimos comprar volumes maiores de determinados ativos a preços interessantes", diz.

O segundo semestre vai ser bem pior que o primeiro, prevê Carlos Carvalho Júnior, sócio da Saga Investimentos, que acredita que a volatilidade vai continuar dando o tom nos próximos meses. De acordo com o gestor, a tendência agora é de uma fase de transição na qual a liquidez vai deixando de ditar a as regras, que passa a dar lugar aos fundamentos. Isso quer dizer que os ativos que subiram muito mais por conta da forte demanda por papéis de maneira geral do que pelos seus próprios fundamentos tendem a se ajustar, diz.

O problema, lembra ele, é que quando um período de maior volatilidade e crise começa, o efeito recai sobre quase todos os papéis. "A correlação entre os mercados e os ativos tende a ser muito alta nesse primeiro momento para depois ir se ajustando de acordo com o fundamento", diz o sócio da Saga. Segundo ele, o lado positivo é que o Brasil tem fundamentos melhores que a média dos emergentes e tenderá a ser beneficiado no momento em que a turbulência maior começar a se acomodar. "O desafio é saber quando isso vai acontecer", diz o executivo.

A queda do mercado acionário acaba criando oportunidades para os investidores, afirma Fabio Vidigal, diretor do Itaú Private Bank. Segundo ele, há oportunidade também no mercado de câmbio, pois o dólar não tem motivos para se apreciar muito em relação ao real e deve voltar a cair. O mesmo acontece com os juros, que subiram por conta da instabilidade e estão com um retorno mais atrativo. Segundo Vidigal, o banco está recomendando aos clientes que estão abaixo do limite recomendado para ações para que aproveitem o momento para comprar e completar o percentual. "Essa queda de 10% da bolsa hoje é diferente das outras, ela traz o mercado para um nível mais perto do razoável levando-se em conta as preocupações com o mercado americano".